A s eleições do próximo domingo parece serem um bom indicador daquilo que Portugal é, actualmente: um país empatado. Nos principais centros urbanos, nomeadamente Lisboa e Porto, os candidatos relevantes estão separados por diferenças mínimas, o que denota uma acentuada dificuldade da população em identificar-se claramente com candidatos, partidos e propostas.
A insatisfação dos eleitores é indisfarçável. A deslocação de votos ocorrida nos últimos actos eleitorais e a infidelidade às opções tradicionais atesta o descontentamento com os rumos que a sociedade portuguesa conheceu . A frustração de mais novos e mais velhos foi empurrando o País para uma situação em que os consensos em torno de visões agregadoras cederam lugar à impaciência e esta, com o tempo, à inconstância e até aos extremismos.
O que se passa hoje em muitos municípios é, em boa parte, reflexo da desaprovação de políticas e práticas que, no plano nacional, têm gerado desagrado, descrédito e desconfiança. PSD e PS, como partidos historicamente maiores e que mais repartiram o Poder até agora, sofrem desgaste mais acentuado. Carlos Moedas, Alexandra Leitão, Manuel Pizarro e Pedro Duarte são heróis e vítimas de um filme, que, de tantas vezes copiado, acabou a perder cor, encanto, e verdade. O ritual da propaganda nas ruas ( que falta de imaginação generalizada ! ) e o uso e abuso das redes sociais ( o verdadeiro império das mentiras ! ) não facilitam a reconciliação de cidadãos e candidatos. A palavra perdeu valor, esmagada pela demagogia.
A fragmentação do voto não é, pois, de surpreender e os equilíbrios instáveis marcarão a governação em muitas autarquias, à semelhança do que acontece no Governo central. A geometria variável de Luís Montenegro só resulta enquanto os opositores do PSD não virem reunidas condições para aplicarem golpes fatais. Até lá é a táctica do desgaste, que qualquer manual de ciência política ensina. A figura do primeiro-ministro tornou-se, aliás, um foco privilegiado de fragilidade na maioria que governa o País. Não se compreende como deixou arrastar as questões relacionadas com a Spinumviva até hoje. Os abcessos resolvem-se no momento. Deixá-los inchar é das piores coisas que há. Montenegro tem permitido que o cozam em lume brando, ao sabor das tácticas e timings do Ministério Público, da agitação do Presidente da República e das lógicas das oposições, externa e interna, esta última, silenciosa ,à espera do momento certo. Culpar a comunicação social, mesmo tendo em conta que não vivemos num mundo de inocentes, é redutor e tira o foco do essencial : a necessidade objectiva de esclarecimento capaz, com verdade e firmeza. O Procurador-Geral da República também não pode continuar a arrastar o dossier, seja qual for a decisão que tome. Se é intolerável o atraso da Justiça em relação a qualquer cidadão, no caso de um primeiro-ministro é de bradar aos céus. Já vimos o que significou a lentidão das investigações com José Sócrates e com António Costa. Portugal dispensa reprises e estas situações de impasse, bem como suspeições sobre a forma como os agentes da Justiça actuam e as motivações que os inspiram. Não fazem bem a ninguém e fragilizam a democracia.
As eleições de domingo e as presidenciais que se lhe seguirão vão decorrer neste ambiente, que é, pois, de desconfiança em pessoas e em projectos que não seduzem nem convencem, contribuindo para a desmobilização e a indiferença do eleitorado. Os empates para que apontam as sondagens são resultado disso mesmo, dessa ausência de referências com horizontes estáveis e críveis. Com ou sem linhas vermelhas…
PS: Permita-se-me um desabafo, como benfiquista, que nunca escondi ser: jamais esperaria ver o maior clube português dar um tão triste espectáculo como aquele que caracteriza o actual momento eleitoral. Não ficarei surpreendido se, daqui a um ano ou ano e meio, a Direcção que vier a ser eleita cair e houver novas eleições.