“Batalha Atrás de Batalha”, de Paul Thomas Anderson: The revolution will not be televised

Não é difícil compreender de onde vem o sucesso crítico, ou a unanimidade em seu redor: cada vez mais, a crítica premeia o virtuosismo, e a maioria dos realizadores americanos – isso ninguém lhes tira – foram à escola.

Se a temática descrevesse um filme, “Batalha Atrás de Batalha” era revolucionário. Se a sua qualificação dependesse da capacidade de representar o real, poderia mesmo dizer-se que era um filme realista. Um filme realista sobre a revolução. As revoluções conturbadas, cheias de traumas por tratar, entre os membros da organização French 75, condicionam a sua luta, que tem por alvo a elite financeira e militar dos Estados Unidos da América. De um lado, camaradas humanizados que comunicam com adivinhas de Pynchon; do outro, os clubes privados da elite republicana, contaminada pelos sonhos molhados do supremacismo branco. É tudo verdade. Uma coisa é certa: este filme parte de factos (uns mais incríveis do que outros), mas isso é apenas o “texto” de um filme… e importa muito pouco.

Se a força de um filme dependesse do seu virtuosismo formal, “Batalha Atrás de Batalha” era imaculado. Não é difícil compreender de onde vem o sucesso crítico, ou a unanimidade em seu redor: cada vez mais, a crítica premeia o virtuosismo, e a maioria dos realizadores americanos – isso ninguém lhes tira – foram à escola. Os agregadores da crítica mais reconhecidos dizem-nos que a qualidade média dos filmes de Paul Thomas Anderson (e talvez em geral) vem subindo. Porém, como pode um crítico médio, nos dias de hoje, destoar diante de um filme que cumpre os parâmetros técnicos? Qual é o seu papel? “Batalha Atrás de Batalha”, o filme realista sobre a revolução, é virtuoso – e cumpridor. Ele cumpre, mostrando as corridas frenéticas, montadas com rigor, dos revolucionários humanizados. E então?

Cada um destes aspectos é apenas um ponto de partida para a reflexão sobre um filme. O cinema tem muito a ver com a forma de mostrar, que depende de escolhas muito pequenas (e significativas) como a posição da câmara, a sua altura em relação às personagens, e o cuidado que lhes é dado através da sucessão de planos e do tratamento das palavras. São estas escolhas que de dois filmes, com a mesma temática e virtude, fazem dois antagonistas – que acabarão por ser tratados como iguais em jornais e programas através dos tempos. Quem sabe se “Batalha Atrás de Batalha” não vai figurar ao lado de “Padre Pio”, de Abel Ferrara (um filme que é uma ferida aberta, sobre comunistas que se deram ao risco e à morte em San Giovanni Rotondo), num ciclo de cinema sobre as revoltas?

Em “Batalha Atrás de Batalha”, Paul Thomas Anderson representa as figuras (os revolucionários e os inimigos) com recurso a técnicas como a evidência e a ironia (que se manifestam num contra-picado, na dicção e nos esgares de Sean Penn ou na postura de Benicio del Toro), que transformam personagens que podiam existir em meros “tipos” inofensivos. Por mais justa que seja a história que conta, “Batalha Atrás de Batalha” é uma aposta segura. O potencial filme revolucionário é afinal um filme limpinho, sem mistério, e a sua compostura (e a dos actores vindos do Panteão) é a sua desgraça. Os momentos mais compostos de “Licorice Pizza”, o filme anterior de Paul Thomas Anderson, com Sean Penn e Bradley Cooper, quase tinham já boicotado os enigmas e os pesares de uma história tão bonita.

Sem rasgo e sem queda, envolto na sua estrutura de estabilidade, “Batalha Atrás de Batalha” é o filme menos interessante de Paul Thomas Anderson. Onde estão as feridas que o maculam, as cenas dúbias e as linhas de diálogo frágeis, despidas, inesperadas, grosseiras e deslocadas, que viram o jogo? A frase descarnada que nos permitisse sentir a dor da pergunta: “Como será depois?”. O que será de nós, depois da revolução? A revolução pode ser feita em muitos lugares: nos salões de baile, nas colinas romanas ou na Kasbah de Argel; não aqui, numa qualquer antecâmara da televisão.