A consagração de László Krasznahorkai com o Prémio Nobel da Literatura é o que teremos de mais parecido com um gesto de renúncia a toda a carga de prestígio sacramental de que a literatura e as instituições que a promovem – com a Academia Sueca à cabeça – se fazem cercar.
Toda essa carga litúrgica parece ceder diante de uma obra que poderia ser lida como uma oração sombria capaz de provocar remorsos a Deus. Ao premiar um autor cuja escrita é quase um rito de passagem para a exaustão do sentido, a Academia Sueca parece conceder, num momento de brutal banalização literária, que só nos resta o murmúrio, já não o fervor das grandes prédicas, a literatura já não se reconhece uma razão fundadora, mas algo que tende a cair para o lado da blasfémia.
«Realidade examinada até ao ponto da loucura»: este lema de Krasznahorkai define bem a sua ficção. Ele não narra: arrasta. Cada página é uma provação moral, um campo de forças em que o apocalipse se inscreve como destino, mas também se desvela enquanto possibilidade de redenção. O prémio surge, portanto, como uma anomalia obsedante num tempo de distração global, onde a leitura se tornou consumo.
A Academia Sueca declarou na conferência de imprensa que Krasznahorkai recebera o galardão pela sua «obra convincente e visionária que, no meio do terror apocalíptico, reafirma o poder da arte». Reconhece, assim, neste romancista húngaro de 71 anos, conhecido pelas suas frases intrincadas que podem prolongar-se por páginas, um herdeiro da tradição centro-europeia da catástrofe – Kafka, Musil, Bernhard –, mas também o seu subversor, pois nele o colapso é simultaneamente matéria e método.
A sua prosa é uma liturgia da exaustão, uma oração demorada num mundo que já não reza. Muito reverenciado por outros escritores, Susan Sontag chamou-lhe o «mestre do apocalipse», e o realizador húngaro Béla Tarr adaptou vários dos seus romances para o cinema.