A política francesa está caótica. A tensão é palpável e a pressão sobre o Presidente Emmanuel Macron tem vindo a aumentar nos últimos dois anos. Na última semana, com a demissão do primeiro-ministro Sébastien Lecornu, nomeado por Macron há menos de um mês, a pressão no Palácio do Eliseu atingiu novos níveis e há quem acredite que se pode tratar do golpe final.
E, se a política está em cacos, as finanças não ficam atrás. O problema fiscal de França é grave e uma solução viável ainda é apenas uma miragem, tanto pelo falhanço em reconhecer a tempo a insustentabilidade do sistema quanto pelos bloqueios políticos. Quanto a estes últimos, importa notar que o ex-primeiro ministro, François Bayrou, viu uma moção de confiança chumbada por ter apresentado um plano de austeridade para tentar salvar as finanças públicas francesas, dando lugar a Lecornu – o quinto primeiro-ministro da República num período de dois anos.
Mas Lecornu não aguentou sequer um mês e anunciou a sua demissão na passada segunda-feira, dia 6 de outubro.
«Ser primeiro-ministro é uma tarefa difícil», disse Lecornu no início do discurso que marcou a sua demissão. «Mas não se pode exercer o cargo de primeiro-ministro quando as condições necessárias não estão reunidas. Nas últimas três semanas, porém, construí, ou tentei construir, as condições necessárias para aprovar um orçamento para França (…) ao mesmo tempo que abordei algumas questões (…) que não podem esperar até às eleições presidenciais de 2027», continuou o PM demissionário antes de enumerar algumas iniciativas que tentou levar a cabo ao longo dos 26 dias que ocupou a liderança do Matignon.
Entre elas, destacou Lecornou, encontram-se «segurança no dia a dia, preocupações relacionadas ao poder de compra e ao emprego, Nova Caledónia, as forças armadas num contexto internacional difícil e inúmeras outras questões». Independentemente do vasto leque de iniciativas num curto espaço, Lecornu não chegou sequer a constituir um Governo e a sua liderança acabou por ser incipiente. Por isso, a sua queda era uma questão de ‘quando’. E, mesmo ciente da quase inevitabilidade, foi certamente mais cedo do que o próprio e, claro, Macron esperavam.
O cenário, naturalmente, deixa o Presidente francês encostado às cordas. E as mais recentes sondagens deixam pouca margem para dúvidas quanto ao futuro do centrista e seu partido. Por exemplo, um estudo da Ifop-Fiducial para a Sud Radio e para o L’Opinion no final do mês de setembro mostra que Jordan Bardella (33%), do Rassemblement National, lidera com grande margem (16%) sobre Édouard Philippe, ex-primeiro-ministro. Jean-Luc Melénchon vem em terceiro com 12%, deixando-o fora de uma provável segunda volta. Mesmo assim, Philippe, perante a instabilidade recente, apelou para Macron «tomar uma iniciativa», recomendando a nomeação de um novo primeiro-ministro para lidar com a situação atual, aprovar um orçamento e, só depois, convocar antecipadamente eleições presidenciais. Por sua vez, Macron nomeará um novo primeiro-ministro nas próximas horas, de acordo com o que foi anunciado pelo Eliseu.
É importante relembrar que a França está a braços com uma dívida pública de 3,4 biliões de euros (114% do PIB), um problema que traz à memória a crise que assolou o sul da Europa há pouco mais de uma década.
Assim, se alguma vez nos faltar caos político, o que parece altamente improvável nos tempos que correm, lembremo-nos do que Rick Blaine disse a Ilsa Lund em Casablanca (1942): «Teremos sempre Paris».