Há algo de muito simbólico na implosão das gigantescas chaminés da antiga central termoelétrica da EDP em Sines: ela representa o declínio da produção a carvão, claro; mas mostra também a desmontagem industrial de um país cada vez mais dedicado e dependente dos serviços. O corolário perfeito, mas também absurdo, é que parte da verba de Bruxelas para compensar os impactos económicos do encerramento da central será usada para financiar a construção de hotéis de luxo em Grândola e Santiago do Cacém. Portugal não é um oásis no deserto, é uma praia de variedades.
O problema é que os serviços geram menos valor acrescentado, são mais voláteis e pagam piores salários aos trabalhadores. E é na indústria e na agricultura que o investimento gera mais riqueza – e mais sustentabilidade de longo prazo.
Por exemplo, alguém reparou que a Cabelte vai construir mais uma fábrica, perto de Vila Nova de Famalicão, para produzir mais 30 mil toneladas de cabos de média e alta tensão por ano? Bem sei que cabos elétricos não soa a coisa fina e que o chão de fábrica é sujo, mas é pena que o país não se entusiasme com projetos de investimento como este. Há belíssimas empresas de norte a sul (talvez mais a norte que a sul) a investir e a inovar e são elas, na verdade, que puxam um país cuja economia ora cresce porque há muito turismo, ora cresce porque o consumo privado aumenta. Mas é neste país que cresce mais à custa do que se gasta do que à custa do que se investe que tantas vezes se diz com razão que os empresários mereciam mais reconhecimento.
Felizmente, há novas institucionais para apoiar esta visão empresarial, incluindo a Cotec, que anda nestas andanças há muito tempo, e o Banco de Fomento, que se está finalmente a afirmar com grande visibilidade entre as empresas. Nem tudo se perde como água pela areia.
E agora pergunte: mas o que é que isto tem a ver com a proposta de Orçamento do Estado, que será apresentada esta sexta-feira, e que constitui o documento de política económica mais importante de cada ano de governo? Duas respostas: o investimento público e os impostos sobre as empresas. Uma devia ser bastante maior e os outros menores. Por isso, sim, a descida do IRC é uma boa notícia, que tenho defendido há vários anos; mas o investimento público continua a níveis muito inferiores ao desejado.
Eleições
Nem a Spinumviva deveria ser arremessada contra Luís Montenegro a menos de uma semana de eleições, nem a proposta de Orçamento do Estado deveria ser apresentada no último dia de campanha. É tão óbvio dizê-lo que até custa escrevê-lo. Mas custa ainda mais ver estas óbvias interferências na normalidade eleitoral. Há muito nervosismo nos partidos, que se sente por exemplo porque para três grandes câmaras do país – Lisboa, Sintra e Porto – as sondagens mostram que a vitória será provavelmente muito renhida e pode ser essencial para ditar derrotados ou vencedores nacionais. Ainda assim: leituras nacionais sim, mas votos municipais e sem outras intromissões, por favor.
Aforro
Há quase 1,2 mil milhões de euros em Certificados de aforro que já prescreveram ou estão em risco de prescrever. Podemos agradecer a informação ao Tribunal de Contas. Infelizmente, não podemos agradecer à agência que os gere. Ou podemos? Esperamos que o IGCP tome conta da ocorrência: e certifique que o aforro não se vaporiza.