Mais mulheres na liderança, menos corrupção? O que a política autárquica tem a ganhar com a paridade

A política local em Portugal permanece fortemente marcada por redes de poder tradicionais, maioritariamente masculinas, onde a confiança se constrói em espaços informais ainda muito vedados às mulheres.

A presença de mulheres na liderança política não é apenas uma questão de justiça ou equidade: é também uma alavanca para maior transparência, ética e melhores práticas de governação.

Apesar dos avanços das últimas décadas, as mulheres continuam a ser minoria no poder local em Portugal. Em 2021, a lei da paridade revelou-se insuficiente para corrigir esta desigualdade. O desafio não está apenas em garantir presença numérica, mas em assegurar acesso real ao centro do poder.

As autarquias são o nível político mais próximo dos cidadãos, onde se decide grande parte do quotidiano coletivo: mobilidade, habitação, cultura, educação, ação social. No entanto, a liderança continua quase exclusivamente masculina. Entre 308 municípios, apenas 29, uma pequena fração de menos de 10%, é presidida por mulheres. O problema vai além dos números: é estrutural, cultural e simbólico.

A política local em Portugal permanece fortemente marcada por redes de poder tradicionais, maioritariamente masculinas, onde a confiança se constrói em espaços informais ainda muito vedados às mulheres. Acresce o peso das perceções sociais: a liderança política continua a ser associada a perfis ‘masculinos’, ligados à autoridade e firmeza. Quando uma mulher adota esse estilo, é criticada por ser ‘dura’; se optar por um estilo mais colaborativo, é vista como ‘frágil’. Em qualquer cenário, a sua legitimidade é questionada.

Não se trata de falta de ambição feminina, mas de barreiras sistemáticas. Muitas mulheres são canalizadas para cargos de apoio ou para pelouros como ação social, educação ou cultura, enquanto os homens concentram urbanismo, finanças e obras públicas – o verdadeiro núcleo do poder autárquico. O resultado é que a presença feminina existe, mas o poder decisório permanece restrito.

A lei da paridade colocou mais mulheres nas listas eleitorais, mas não garantiu posições elegíveis nem acesso aos centros de decisão. Paridade não é apenas presença; é poder efetivo. E a evidência mostra que esse poder faz diferença: um estudo abrangendo mais de 125 países, publicado no Journal of Economic Behavior & Organization, concluiu que a corrupção tende a ser menor onde há maior participação feminina. Na Europa, a probabilidade de suborno é mais baixa quando a representação de mulheres na política local é mais forte. A presença feminina, portanto, não é apenas justa: é uma forma comprovada de promover transparência, ética e melhores práticas de governação.

No plano internacional, vemos exemplos inspiradores de mulheres a liderar regiões e cidades complexas. Isabel Díaz Ayuso, presidente da Comunidade de Madrid, cumpre a sua terceira legislatura consecutiva. Anne Hidalgo, presidente da Câmara Municipal de Paris, está a terminar o seu segundo mandato consecutivo. Femke Halsema cumpre dois mandatos à frente da Câmara de Amesterdão, nos Países Baixos. Pelo mundo fora, começam a surgir sinais de mudança, com mulheres a ocupar, pela primeira vez, cargos de liderança máxima: no Japão, Sanae Takaichi é apontada como favorita para se tornar a primeira mulher primeira-ministra do país; no México, Claudia Sheinbaum foi eleita a primeira mulher Presidente em 2024.

A igualdade de género é uma exigência da democracia. Uma democracia representativa não se mede apenas pelo direito ao voto, mas pela diversidade de quem decide. Enquanto metade da população continuar afastada da liderança local, Portugal perde oportunidades de inovação, transparência e proximidade.

Esperemos que as próximas eleições comprovem esta onda de mudança. Para que possamos não apenas presumir, mas confirmar, com resultados concretos, o impacto da liderança feminina na política autárquica, aquela que mais beneficiaria das suas características como transparência, ética e proximidade.