“Há uma concorrência desleal entre médicos”

Nuno Rodrigues e Jorge Roque da Cunha, do Sindicato Independente dos Médicos, defendem as urgências metropolitanas, menos as de ginecologia obstetrícia, falam no perigo de os médicos não quererem fazer especializações, e  querem que os tarefeiros tenham contrato com o Estado.

“Há uma concorrência desleal entre médicos”

O encontro foi combinado para falarmos do problema que afeta todos aqueles que trabalham no serviço de Dermatologia do Egas Moniz, denunciado pelo sindicato à Unidade Local de Saúde Lisboa Ocidental, mas aproveitámos para falar de vários assuntos relacionados com a Saúde, ‘divagando’ por temas fraturantes, quer para os profissionais de Saúde, quer para os doentes. Aqui fica a entrevista a Nuno Rodrigues, secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM) e ao já histórico Jorge Roque da Cunha, presidente do SIM.

A profissão de médico começa a ser mal vista, atendendo a alguns que se aproveitam das fragilidades do sistema para faturar. É a história dos tarefeiros, é a história das cirurgias de Dermatologia. A confiança cega que se tinha num médico está a desaparecer?

Jorge Roque da Cunha (JRC). Para fazer uma longa história curta, long story short, na altura do doutor Correia de Campos, havia um regime de 42 horas de dedicação exclusiva e um regime de 35 horas. E houve uma mente inteligente, o doutor Correia de Campos, que alterou o pagamento do trabalho extraordinário, que era trabalho igual, salário igual. Isto é, os colegas que estavam com as 35 horas tinham o mesmo valor-hora que os das 42 horas de dedicação exclusiva. O que aconteceu? Os das 35 horas começaram a ganhar menos pelas horas extraordinárias e começaram a dizer: ‘Trabalhem vocês, os das 42 horas, porque nós chegamos ao limite, as 150 horas, e não nos compensa’. A partir daí começaram a ser constituídas empresas, e essas empresas foram-se desenvolvendo, desenvolvendo… No ano passado, o Estado pagou 220 milhões de euros a empresas multinacionais de recursos humanos que contratam médicos e às empresas unipessoais dos médicos que são contratados como prestadores de serviço. Qual é aqui a questão de fundo? É uma questão fiscal.

Nuno Rodrigues (NR). A maior parte dos nossos colegas que exercem função de prestação de serviços, neste momento, tem empresas próprias. Porquê? Porque criam uma empresa unipessoal, sujeita à fiscalidade de IRC. Existem estes veículos que permitem otimizar, em vez de serem taxados, como nós somos, a partir de determinado montante, a 45%, são taxados a 18, 20%, depois depende da faturação da empresa. E, além disso, conseguem pôr também nas despesas dessa empresa uma data de custos que têm, carro, prestações de casa, refeições… Isto o que faz? Faz com que compense muito ser prestador e não estar a pagar IRS e Segurança Social. Ou seja, no fundo, descemos [Estado] aqui as receitas de IRS, como descemos as receitas da Segurança Social, pelo mesmo trabalho.

JRC. O masoquismo do Estado é tal que não regula essa situação. Esses colegas, à partida, podem dizer assim: ‘Fim de ano, não trabalho. Anos do meu filho, não trabalho. A minha avó faz anos, não trabalho. São eles que impõem as condições, por um lado, e, por outro, não há qualquer penalização, quando, por exemplo, estão escalados para um determinado local e depois não aparecem. O que há aqui a fazer? Só trabalha nos serviços de urgência quem tem o contrato individual de trabalho com o Estado. É evidente que isso, no curto prazo, vai criar alguma dificuldade, mas é a única maneira que existe para acabar com esta espiral. Quer fazer uma urgência, tem aqui um contrato de trabalho. Trabalha estas horas, recebe X. Se faltar, leva… Se tiver o filho doente, apresenta um atestado a dizer que o filho está doente. Porque, de outra forma, a concorrência é totalmente desleal em relação à situação de ser um médico no Serviço Nacional de Saúde, porque, além disso, o próprio preço-hora varia no sentido positivo em relação aos prestadores. Isto tem-se vindo a acumular desde a altura de Correio de Campos. Há agora a intenção da ministra da Saúde de fazer alguma coisa em relação a essa matéria, estamos a aguardar.

A questão é, só pode prestar serviço num hospital quem está associado ao hospital?

JRC. Exato. Até pode ter um contrato com o Hospital de Santarém, e outro com o Hospital de Abrantes. À segunda, quarta e sexta vai para o Hospital de Santarém e à terça e quinta pode ir para o Hospital de Abrantes. Tem é de de ter um contrato, onde desconta para a Segurança Social e pague IRS.

Portugal deve ser um dos poucos países europeus com este sistema de urgência. Temos Almada, Setúbal. Por que ninguém tem coragem de dizer: a urgência que funciona é esta aqui, que abrange um raio de 50 a 100 quilómetros, e tem os médicos necessários para isto funcionar 24 horas por dia?

JRC. As chamadas urgências metropolitanas. Nós não somos contra as urgências metropolitanas. Aliás, funciona no Porto, há vários anos e bem. No geral, nós queremos a sustentabilidade do SNS. Havendo poucos recursos e transitoriamente…

NR. Defendemos que não há nenhum motivo para não haver urgências metropolitanas em Lisboa. Relativamente à ginecologia obstetrícia, no Norte não há estas urgências concentradas. Porquê? Porque é uma situação muito complexa em que não é só preciso uma especialidade, como, por exemplo, de urologia. É preciso ginecologia obstetrícia, é preciso a anestesiologia dedicada, porque tem de estar ali muito concentrada naquela mãe, para fazer a cesariana. E depois é preciso também neonatologia. Isto, neonatologia, há em muito poucos sítios. E, portanto, é preciso cumprir estas três condições para estar uma urgência de ginecologia obstetrícia completamente a funcionar. A longo prazo, o que é importante? Aumentarmos a capacidade formativa destas especialidades que estão carenciadas.

Esquecendo um bocadinho o vosso papel de sindicalista. Se eu quiser uma consulta de dermatologista tenho que esperar N tempo. Mesmo no privado, se quiser uma consulta, tenho que esperar seis meses. Para agravar a situação, praticamente nenhum médico dermatologista, bem como outras especialidades, tem acordo com os seguros. Como chegámos a este ponto?

NR. É exatamente o que estava a dizer. Qual é a solução de longo prazo para esta crise das urgências? Qual é a solução para a dermatologia, para a ortopedia, oftalmologia? É a capacidade formativa. E o que nós sabemos também? 99,5% dos médicos são formados no SNS. Cada médico que sai do SNS é um potencial formador de outros colegas futuros, mais jovens, e portanto estamos a perder capacidade formativa em cada médico que sai do SNS. O Estado deveria direcionar políticas precisamente para a manutenção dos médicos, para não só prestar o melhor serviço, mais rápido, mas também numa perspetiva de cascata formativa. Nós, realmente, temos um número adequado de especialistas, isto é muito importante nesta discussão, daquelas áreas. Porque o que não falta agora são médicos, mas as pessoas, neste momento, por exemplo, na área da pediatria, quando vão a uma urgência de pediatria, muito provavelmente não vão ser vistas por um pediatra.

Porquê?

NR. Porque estão a ser vistos por outros colegas, ou de Medicina Geral Familiar ou sem especialidade. E isto é a realidade.

Mas não explicaram por que neste momento os médicos não querem acordos com as seguradoras.

JRC. Porque o que as seguradoras pagam não é atrativo para eles.

Vamos caminhar para um beco sem saída? As pessoas não têm dinheiro para pagar uma pequena cirurgia, no privado, se estiver à espera do público, leva uma eternidade. Qual é a solução? As pessoas vão deixar de ter assistência?

NR. A verdadeira solução é aumentar a formação, nomeadamente, destas áreas.

Calculo que não defendam a obrigatoriedade de os médicos recém-formados serem obrigados a ficar uns anos no SNS? Como na Força Aérea, por exemplo?

JRC. Na Força Aérea não é assim. Em Cuba, na Coreia do Norte ou na antiga União Soviética é que é assim. Não há mais nenhum país do mundo onde isso aconteça.

Nas conversas que vou tendo com médicos amigos fico com a ideia de que, além das questões monetárias não serem atrativas, também já não existe um ‘passar’ de conhecimento porque os médicos quase não se cruzam para trocar experiências.

NR. Se muitos dos recém-médicos vão diretamente para o privado, algo não correrá bem no futuro.

J R C. Quem dá a formação é pro bono.

NR. Exatamente. Será que a qualidade da formação também estará em risco à custa disso? À custa de não haver essa transição? Sabemos que isso, em parte, foi motivado, aí sim, pelo constrangimento na formação, durante os anos 80, 90, do número de médicos que eram formados. Essa situação não ocorre agora, pois temos muitos médicos a serem formados.

Quantos médicos são formados por ano?

JR C. À volta de 1600. Em 1978, o Dr. Mário Soares e o Dr. Sottomayor Cardia estabeleceram numerus clausus em Medicina: 900 vagas para as cinco faculdades. Cinco anos depois, chegaram a ser 300. Em 2025 entraram 1647. A juntar a estes, há cerca de 200 colegas que, por ano, vêm de formação de Espanha e da República Checa, que são os principais locais de formação de portugueses, fora do país. Na prática, o valor de investimento público nas escolas de Medicina é cerca de 50% do que era há dez anos. Assistentes pro bono, salários de professores miseráveis, monitores pro bono, laboratórios desadequados. Mas, apesar de tudo, e apesar disso, esta gente quando sai é muito requerida por parte dos governos estrangeiros. Há uma falta de cerca de 1.200.000 profissionais na Europa. Há feiras, duas vezes por ano, no Porto e em Lisboa, onde estão os países escandinavos, a Alemanha, França, Inglaterra e Irlanda, para contratarem estes médicos recém-formados. Portanto, a competitividade não é só com os privados, mas também com esses governos estrangeiros. Qual é o fenómeno aqui estranho? É que, pela primeira vez em vários anos, é o segundo ano consecutivo em que há muitos médicos que preferem não fazer especialidade porque dá trabalho, e depois são contratados como prestadores onde quer que seja, e todos nós rezamos para não sermos atendidos por eles num dia que precisemos mesmo.

Qual é a solução para ‘segurar’ os novos médicos ao SNS?

NR. Principalmente a formação.

Isso passa por mais dinheiro?

NR. O que nós temos falado nos acordos coletivos de trabalho é de tempo dedicado à formação e remuneração associada à mesma.

Não defendem um sistema integrado entre o SNS, os privados e o setor social?

NR. Sim, nós defendemos isso. Só não há acordo, relativamente ao setor privado, porque, objetivamente, eles não querem sentar-se à mesma mesa.

JRC. Várias vezes temos insistido com a Associação Portuguesa da Hospitalização Privada, mas eles recusam.

Mas como é que existem as PPPs?

NR. As PPPs, como não são privadas, têm um contrato com o Estado. Como fazem parte do SNS, têm interesse em que as condições sejam, no mínimo, iguais às do SNS. As PPPs fizeram esse caminho e nós assinámos com todas as PPPs. Questão diferente é os privados. Óscar Gaspar, antigo secretário de Estado [da Saúde, do Governo de José Sócrates], que é o presidente da Associação Portuguesa da Hospitalização Privada, tem recusado reunir-se connosco.

Para as pessoas perceberem, basicamente era assim: o SNS consultava os hospitais privados e dizia: ‘Quero que me façam mil ressonâncias magnéticas por ano. Quem faz o melhor preço, atendendo depois à qualidade?’

JRC. Isso já acontece agora. Mais de 60% da radiologia de Santa Maria é feita cá fora. Na área de Medicina nuclear, oncologia, há muitas coisas feitas no privado.Tem de haver é uma negociação que não seja casuística. Que exista um volume. Uma coisa é comprar dez lápis. Outra coisa é comprar dez mil lápis.

Mas qual o modelo que defendem entre o Serviço Nacional de Saúde, os privados e o social.

NR. O modelo que nós defendemos para os médicos é que eles nunca interrompam a sua carreira, o seu percurso, independentemente de estarem no Estado ou no setor social. Ou seja, o médico poderia, atendendo à fase da carreira, circular livremente por cada um destes prestadores e regressar ao público. O que acontece a um médico que saia para o privado? Quando tenta voltar, tem de voltar para a base da carreira. Nenhum médico que esteja há 20 anos no privado quer voltar para a base da carreira médica. Por isso é que nós defendemos que deve haver carreira, e isto seria bom, tanto para o privado como para o público.

Isso é uma questão bastante pertinente. Mas o que estava a perguntar é qual é a solução para resolvermos o problema da Saúde em Portugal. O tal acordo com os privados e o social, o que defendem?

NR. Está a falar do Sistema de Saúde, não está a falar só da parte dos médicos. Temos aqui uma questão muito importante, que é a questão da transição demográfica, que, por si só, é inevitável, e que vai levar a um aumento de despesa nos próximos anos. Só o fator de estarmos com uma população muito envelhecida leva a um grande aumento de despesa todos os anos. Segundo, e da parte da componente de despesa, a questão dos medicamentos é o fator que vai pesar mais nas contas do Estado por causa da inovação terapêutica, acesso a medicamentos novos, isso vai ser cada vez mais caro.

JRC. O tratamento do cancro, as vacinas das gémeas.

NR. E na área da Saúde temos outro problema, que é a questão da produtividade. Ou seja, enquanto que noutras indústrias foi possível, mais rapidamente, fazer a transição para automatismos, etc., na área da Saúde, e também diria no setor social, está muito ainda dependente das próprias pessoas. Isto não significa que não haja alguns bloqueios à inovação, que acho que há. Mas o setor da Saúde vai ser sempre onerado porque não consegue tão rapidamente substituir coisas que são feitas de forma automática. Ou então elas têm um valor de custo, logo à partida, muito caro, e o Estado tem receio de investir nisso.

JRC. Convém acrescentar que se assim fosse, até havia a possibilidade, já existe, mas é residual, de os próprios privados, fazerem a formação de especialistas.

NR. Havendo carreira médica, há formação médica. Objetivamente.

JRC. São obrigados a atualizar-se, são obrigados a provas.

NR. Um dos componentes da carreira é precisamente a pessoa que dá a formação. Obviamente que aí as entidades privadas também teriam de assegurar o mínimo de actos. Já não poderia ser só aqueles que eles querem e gostam, porque têm poucos custos e recebem muito do Estado, ou das seguradoras, por executarem aquele acto, mas sim esse compromisso que tem de ser assumido por todos e tem de ser transversal.

No setor da Saúde há muitas profissões que correm o perigo de desaparecer dentro de cinco, dez anos? Os radiologistas, tudo ligado à computorização…

NR. Desaparecer acho que não.

Mas diminuirá bastante a necessidade de pessoas para esses serviços?

JRC. Eles irão fazer outras coisas, além dessas.

NR. Há aqui uma transição, há coisas que não estão a ser feitas, que terão de ser feitas, mas há claramente, e mesmo na parte da formação, que estávamos a falar, pode haver inovação. Um cirurgião precisa, talvez, de fazer 50 cirurgias, imaginemos, do cancro do cólon e reto. Mas pronto, tem de ser autónomo nisso. Com os novos modelos, tanto impressoras 3D, modelos de aprendizagem automática, etc., construção de modelos reais, se calhar dessas 50, vão ser 30 em pessoas e 20 em modelos de ele estar a imaginar que está a fazer, ou a fazer num paciente que não é um doente verdadeiro, mas imaginário, e que está a treinar a sua técnica e tem de fazer exatamente o mesmo procedimento. Isto, por exemplo, poderia aumentar o número de cirurgiões formados. Qual é a grande limitação na formação da cirurgia? É que se ele não fizer as 50, se calhar não vai ser um bom cirurgião. Se ele fizer só cinco, no seu internado, não sei se o quero apanhar se tiver de ser operado. Agora, se ele fizer 50, já tem ali um grau de confiança de que é uma pessoa já experiente e dedicada àquele assunto o suficiente.

Do milhão e 200 mil médicos em falta na Europa, têm ideia de quantos médicos portugueses é que vão para o exterior todos os anos?

JRC. A Ordem terá esses números, mas penso que, por ano, há cerca de 300 pedidos, mais ou menos.

NR. Na área da medicina familiar, faltam 800 médicos.

JRC. Mas há uma coisa curiosa. Neste momento, e isto está no portal de transparência, há mais utentes com médicos de família do que havia no ano passado. Cerca de 250 mil. Olhando para o aumento de um milhão e quatrocentos mil novos utentes…

É um problema muito complicado para os médicos, por exemplo, entenderem pessoas que não falam nem inglês, nem português?

NR. Isso há cada vez há mais. O que temos é, precisamente, de utilizar a tecnologia para tentar falar com eles.

JRC. E mais grave do que isso, com este descontrolo de imigração, é frequente aparecerem pessoas… Se há uma grávida com seis meses que me pede autorização para viajar para o estrangeiro, eu não dou. Os obstetras não dão. Então como aparecem cá com oito meses? Dê um pulo à Maternidade Alfredo da Costa.

Aí as grávidas são mais dos PALOP?

JRC. Não, não.

N R. É mais PALOP, mas também de outras localidades.

JRC. Não, não. São do Indostão. Vais lá e vês, PALOP três, Indostão seis. Com burca. Eu estive lá. Não é uma amostra absoluta, mas quando lá fui na quarta-feira da semana passada, [dia 24 de setembro] e andei lá pelos corredores eram seis Indostão, três PALOP.

E quantos portugueses?

JRC. Dois. O ano passado houve cerca de 85 mil nascimentos, 30% são estrangeiros. Porque dos PALOP há já muitos que têm nacionalidade, têm cá trabalho, essas coisas todas.

Como encaram este aumento do turismo de Saúde? Pessoas que vêm só cá para não pagar nada e se ir embora. Isto não vai contribuir ainda mais para o sistema de saúde rebentar?

JRC. Há aqui duas situações. O turismo de Saúde é diferente. São locais bons para pessoas devidamente organizadas virem utilizar e pagar os seus cuidados médicos. Mas nós temos indicação que do Norte da Europa e dos Estados Unidos da América vêm cá não só comprar medicamentos para a diabetes, que são participados a quase 100%, como fazer, por exemplo, quando uma pessoa tem uma relação não protegida, os chamados PrEPs – é uma atitude preventiva depois de se ter uma relação sexual não protegida – são cerca de mil euros. Aqui não pagam nada, e no estrangeiro pagam.

NR. O PrEP é especificamente direcionado ao HIV.

JRC. Como cidadão, como médico, como contribuinte, acho que deve acontecer. Porque eles não pagam? Tem de haver uma faturação em relação a essa matéria. Eu quando vou à Holanda, mesmo tendo cartão de saúde, é emitida uma fatura em relação aos meus procedimentos. E isso tem de acontecer independentemente da situação que ocorra. Quem está indocumentado, quem está ilegal, que esteja a morrer, nós somos obrigados a tratá-los, com certeza. Mas tem de haver aí uma identificação dos atos e os respetivos custos. É uma questão de organização.

Quando se diz que a Saúde está um caos, também tem a ver com este aumento da imigração desregulada?

JRC. É verdade, entraram desreguladamente.

A maioria desse quase milhão e meio paga?

JRC. Muitos não pagam, mas quem está com Segurança Social regularizada e paga os seus impostos, tem o assunto resolvido como qualquer outra pessoa.

NR. A minha opinião é um bocadinho distinta. Ou seja, quem está a trabalhar está a pagar como qualquer outro. Quem vem de fora e que não está a ter rendimentos em Portugal, sim senhor, tem de pagar aquilo que custa. Independentemente disso, os médicos não devem ter essa preocupação em si, no sentido de aquela pessoa à minha frente vai receber o mesmo tratamento que qualquer outra pessoa. Isto está completamente fora de questão. Agora, o Estado tem de ser capaz de realmente cobrar a quem pode. Mas cobrar a priori tem riscos complicados, porque quem não tem dinheiro deixa de ir aos hospitais e aí posso ter casos de tuberculose, etc., que vão onerar muito mais o Estado, muito mais do que aquele custo inicial.

JRC. Há países que não têm plano nacional de vacinação. Portanto, é fundamental, independentemente da legalidade, com papéis ou sem papéis, que essas crianças que chegam a Portugal que sejam vacinadas… Esse aspeto é inquestionável, não se pode cobrar o facto de se fazer vacinação. Mas aí lá está. É o Estado que tem de criar as condições para exigir que quem vem cá para Portugal tem de ter contrato de trabalho, de arrendamento, à semelhança do que nos acontece se quisermos ir trabalhar para a Holanda, por exemplo.