Quem só sabe de direito…

Preocupa-me o exclusivo, e algo ingénuo, olhar ‘autopoiético’ que alguns magistrados evidenciam quando abordam certas situações profissionais.

No passado dia 29 de setembro, foi publicado no site da CNN Portugal um artigo respeitante ao DCIAP (órgão de investigação inserido na PGR), relatando factos concretos sobre o seu funcionamento que – a serem verdadeiros – deveriam merecer uma profunda reflexão.

O texto de António José Vilela – ao contrário do rio de insinuações sempre repetidas quando, por necessidade de protagonismo, alguns abordam um certo processo mediático – evidencia um conjunto de problemas deveras sérios. A saber:

• Um número significativo de inquéritos que ali se arrastam há dez anos ou mais.

• Um conceito de ‘segredo de justiça’ que se projeta para além do arquivamento dos processos.

• Bloqueio no acesso à informação sobre o destino dado a alguns processos e suas motivações.

• Impossibilidade de análise crítica sobre a atividade e a produtividade do referido organismo: 10 acusações, apenas em 2024 (?).

Em conversa com alguns procuradores, chamei a atenção para a importância real daquele texto.

Tal artigo deveria, sem mais, determinar uma imediata avaliação dos procedimentos levados a cabo em tal organismo.

Não se confirmando o que nele se diz, impor-se-ia, então, um esclarecimento público e cabal sobre as importantes questões ali suscitadas.

Para meu espanto, não foi, contudo, o teor da alegada resposta desse departamento às questões suscitadas pelo jornalista que mais preocupou alguns dos meus interlocutores.

Deparei, sim, atónito, com algumas muito dogmáticas justificações jurídico-processuais do alegado procedimento.

Algumas das questões suscitadas – duração desmesurada de alguns inquéritos sensíveis e impossibilidade de controle dos fundamentos dos despachos de arquivamento de outros – deveriam originar, acreditava eu, da parte dos magistrados, designadamente dos que integram o CSMP, um sobressalto cívico e um pedido de imediato esclarecimento sobre a verdade e a razão de ser de tais situações.

Vejamos!

Haverá ou não – como creio existirem – outras leituras da lei mais condicentes com o necessário equilíbrio entre os diferentes direitos fundamentais vertidos na Constituição e o sentido das normas do Código de Processo Penal?

Na medida em que impede o controle externo da atuação do MP, o entendimento jurídico, alegadamente seguido em tal departamento, põe ou não em causa a coerência do nosso sistema processual penal?

Preocupa-me, pois, o limitado e algo cândido, olhar ‘autopoiético’ que, sobre a matéria, os meus interlocutores evidenciaram.

Em que mundo abstrato e autorreferencial viveram e foram eles educados?

Para que servem, afinal, hoje, as Faculdades de Direito e o CEJ?

Terão estas escolas enveredado – como acontece já em outros países europeus – por formar, sobretudo, agentes técnicos de direito especializados em resolver somente problemas específicos?

Terão tais magistrados a noção de que o que está em causa é a imperiosa congruência entre o funcionamento dos instrumentos políticos próprios da Democracia e os instrumentos jurídicos do Estado de Direito, logo o papel da Lei e do Direito num regime democrático?

Ignorar ou descurar o ângulo político da questão, contribui apenas – como já está a acontecer em outros países ocidentais – para deslegitimar e, depois, instrumentalizar as instituições do Estado de Direito e, entre elas, as da Justiça que, precisamente, deveria, neste momento conturbado do mundo, assegurar, com o maior rigor, isenção e serenidade, os direitos, liberdades e garantias de todos, mas todos, os cidadãos.