Mão de obra. Faltam 90 mil trabalhadores para grandes projetos

Além das necessidades de mão-de-obra,o presidente do Sindicato da Construção aponta ainda o dedo à falta de especialização dos trabalhadores que chegam a Portugal.

São precisos, pelo menos, 90 mil trabalhadores para as grandes obras públicas que estão previstas pelo Governo. As contas são do presidente do sindicato da Construção Civil, Albano Ribeiro, que enumera os vários projetos em cima da mesa: novo aeroporto de Lisboa, rede de alta velocidade, habitação, novos hospitais… «Só o novo aeroporto em Alcochete, quando estiver na fase de pico das obras, irá precisar de 10 mil a 15 mil trabalhadores», avisa o sindicalista, que pediu há duas semanas uma reunião com o ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, para sensibilizar o Governo para este problema – até à data ainda não obteve resposta.

Albano Ribeiro questiona: «Onde é que se vai buscar estes 90 mil trabalhadores? Temos de ir buscar imigrantes». O que levanta outro problema a falta de alojamento para esses trabalhadores. «O ministro das Infraestruturas disse que ia resolver o problema da habitação e que ia pôr os trabalhadores nos espaços dentro das obras. Só que se está a esquecer que 80% das obras têm pequenos estaleiros, ou seja, não têm instalações sociais. Até o Metro do Porto, que é uma grande obra, não tem espaço para pôr um estaleiro. O ministro e o primeiro-ministro já vieram dizer que, nas grandes obras públicas, os trabalhadores têm de ter instalações sociais, ou seja, têm de ter casa de banho, dormir dois em cada espaço, com ar condicionado. E nas outras obras? Sabe onde é que os trabalhadores dormem? Debaixo das placas, uns barracos como eram na década de 70 e 80 [do séc. XX]».

Uma questão que, para Albano Ribeiro, ganha maiores proporções quando, a par da falta de mão-de-obra, há que contar com as carências de especialização por parte dos trabalhadores. «Um carpinteiro tem de saber trabalhar com os materiais, tem de saber utilizar um martelo ou um serrote. Um pintor tem de saber utilizar as tintas. E, neste momento, não há ninguém no setor da construção civil que esteja a aprender estas funções e os resultados depois estão à vista: má construção».

Para Albano Ribeiro, a solução passa por trazer mão-de-obra estrangeira qualificada. Um exemplo que já é praticado por algumas empresas do setor e que, defende, deve ser generalizado. «Os trabalhadores devem chegar ao nosso país já formados, um processo que envolve os países de origem, as organizações de lá, os consulados e embaixadas e também as nossas associações empresariais», refere ao nosso jornal.

Mas, para isso, salienta, o processo tem de ser feito através de empresas idóneas. «O que é que acontece muitas vezes? Portugal funciona como um país de passagem. Os angariadores de mão-de-obra trazem os trabalhadores para o nosso país, depois vão para França, para a Alemanha e para outros países ganhar muito mais, na maioria dos casos, ganhar o dobro. Não ficam por aqui. É uma nova realidade».

Ainda assim, reconhece que os trabalhadores que vêm de Angola e de outros PALOP «são bons operários», porque vêm de países onde as empresas portuguesas estiveram presentes e onde houve a oportunidade de aprender a atividade. «Já não posso dizer o mesmo dos indianos, dos nepaleses e dos que vêm da América Latina, em que a situação é bastante grave. Não quero discriminar ninguém, mas não é esse tipo de mão-de-obra de que precisamos. Basta lembrar que os nossos trabalhadores da construção que saíram do país na década de 60 e de 70 eram altamente qualificados, muitos eram provenientes da zona de Penafiel e de Cinfães. Não é por acaso que nós na Alemanha, na França e em outros países conseguimos transformar a construção em grande escala», frisa.

Outro dos problemas apontados pelo presidente do Sindicato da Construção diz respeito aos salários. «Há empresas que têm grandes dificuldades em contratar porque não pagam bem. Receber 917 euros de salário é um valor justo? Estamos a falar de um trabalho violento sujeito à chuva, ao frio, ao calor», alerta.

Grandes empresas com menos peso
Mais um entrave à atividade é o que está relacionado com a falta de peso das grandes construtoras no total do setor – nas contas do dirigente sindical, rondam os 10%. Esse entrave foi reconhecido por Miguel Pinto Luz, que, em entrevista ao Nascer do SOL, reconheceu que o setor da construção se desmantelou na última década. «Chegámos a construir mais de 100 mil fogos por ano e agora construímos 20 ou 30 mil fogos por ano. Temos que voltar a empoderar o setor. Está paulatinamente a crescer outra vez e com vontade de reinvestir no nosso país. O que é que fizemos? Desde logo, protocolos com as confederações patronais para trazer mão-de-obra do estrangeiro, a tal via verde. Por outro lado, estamos a desenvolver e já apresentámos este pacote fiscal que prevê mais incentivos para que os investidores e os construtores queiram vir ajudar a construir Portugal. Sozinhos não vamos lá», referiu o ministro.

Os dados falam por si. De acordo com o estudo realizado pela fundação Mestre Casais em parceria com a Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN), construtoras com volumes de negócio acima dos 500 milhões de euros por ano, como têm Mota-Engil, Grupo Casais ou Teixeira Duarte, representam apenas 9% do setor em Portugal. A percentagem mais expressiva do mercado (43%) fatura abaixo dos 20 milhões.

O contexto económico e as políticas nacionais, a evolução do setor da indústria da construção e as práticas de inovação e sustentabilidade foram os três eixos sobre os quais participaram 46 CEO’s de empresas deste setor, cuja maioria está sediada na Região Norte (43%) e na Área Metropolitana de Lisboa (30%).

Quase metade das empresas inquiridas (49%) apontam a escassez de mão-de-obra qualificada como maior obstáculo, sendo que 29% referem o envelhecimento da força de trabalho. Em termos globais, 78% destas empresas contam com menos de 250 trabalhadores.

O estudo indica ainda que mais de 60% das construtoras continua a depender das operações nacionais e apenas 30% está presente em um a três mercados internacionais, sendo África o principal destino. «Portugal é um país onde a indústria da construção civil continua a ser um motor económico, mas que vive um momento decisivo de transformação, para o qual necessita de mais ajuda do Estado, de forma a acelerar as sementes de inovação e sustentabilidade que o barómetro detetou e, finalmente, melhorar a produtividade e o seu valor acrescentado», afirmou o coordenador do estudo, José Gomes Mendes.

Albano Ribeiro recorda que a altura em que foi construída a Expo 98 foi quando as empresas registaram um grande volume de trabalho, depois assistiu-se a uma queda muito grande e a um elevado nível de desemprego, que foi tendo impacto ao longo de anos. Mas admite que as perspetivas são animadoras, apontando para a manutenção deste ritmo de crescimento por mais 10 anos, no mínimo. «Nunca houve tantas gruas, quer em Lisboa, quer no Porto, seja onde for», acrescentou.

Medidas são bem vistas mas pedem celeridade
Quanto às medidas anunciadas pelo Governo, nomeadamente a aplicação da taxa reduzida de IVA de 6% para a construção e reabilitação de habitação para imóveis até 648 mil euros ou rendas até 2.300 euros, assim como a simplificação dos licenciamentos, com redução de prazos e eliminação de entraves burocráticos, são vistas com bons olhos pelo setor. «As medidas anunciadas pelo Governo refletem, em grande parte, as propostas que a AICCOPN tem vindo a apresentar ao longo dos últimos anos, começando agora a ser incorporadas nas políticas públicas de habitação», diz a entidade.

No entanto, deixa um alerta: «O sucesso destas iniciativas dependerá da sua execução célere, da clareza nos critérios aplicáveis e da articulação com medidas complementares, como o reforço da construção nova, a aposta na reabilitação urbana e a mobilização do património público e privado para fins habitacionais».