Não basta tapar buracos

Existir uma força política maioritária em Portugal, na Assembleia da República, no Governo e nos Municípios pode ser bom ou mau, dependendo do uso que fizer do Poder que alcançou. É ver para crer.

Não vou perder tempo com mais análise política sobre as eleições de domingo passado. O que lá vai lá vai e são às centenas os comentários e opiniões surgidas, desde então, em todo o lado. Torna-se cansativo e redundante. Para não dizer de utilidade reduzidíssima. Já causa indigestão o desfile de vaidades de que se alimenta a chamada bolha mediática.

Do mesmo modo, interessam-me pouco os estados de espírito de Luís Montenegro ou José Luís Carneiro. Menos ainda a irrelevância comprovada do Bloco de Esquerda e do PAN.

O que verdadeiramente me importa é saber o que vão trazer de transformador os autarcas agora eleitos e se Governo e lideranças partidárias se deixam de conversa de entreter e começam a encontrar soluções para os estrangulamentos estruturais e as dificuldades crónicas de que o País padece. De eleição em eleição as promessas empurram os problemas e põem à prova os limites de resistência da realidade. Não dá para a continuação de exercícios fantasiosos sobre a Economia, a Segurança Social, a Saúde, o Ensino, a Segurança, o baixíssimo índice de natalidade e a Imigração.

Quem, como eu, teve oportunidade de acompanhar o relatório da Mackinsey sobre as perspectivas para a economia mundial, em geral, sobre a Europa, em particular, e sobre Portugal, em especial, não pode deixar de ficar apreensivo sobre quão despreparados nós estamos. Nós e o continente europeu, para falar verdade. Envelhecido, fragilizado e impotente para se regenerar e descobrir soluções que permitam a sobrevivência, no todo ou em grande parte, dos benefícios do Estado Social à sombra do qual nos resguardámos. Entalada entre dois colossos, a China e os Estados Unidos, a Europa perde competitividade, num mundo em que a Inteligência Artificial rompe com modelos de produção tradicionais, escancarando um rol de ameaças e de oportunidades, que não passavam de ficção científica ainda não há muitos anos. Daqui a cinco, talvez três anos, será dramático o impacto da IA, nas economias e na vida de cada um. Que vai acontecer às empresas e à sua competitividade? Que vai suceder ao emprego? Que impacto terá, na realidade quotidiana, a robotização como novo normal? Como irão os sistemas de Saúde – e, naturalmente, o nosso SNS – aguentar a pressão que sobre eles se fará sentir e como se adaptarão os profissionais do sector à sua progressiva subalternização perante as máquinas inteligentes? Que sucederá à Segurança Social, cujo chapéu nos protege a todos, com o envelhecimento da população e o ritmo desajustado e insuficiente da substituição das gerações? Será que vamos continuar a assistir à diabolização dos imigrantes, cujas contribuições constituem, hoje em dia, factor essencial no financiamento do sistema público de pensões, tal como o conhecemos? Que vai acontecer à União Europeia? Implode, autofágica, ou transforma-se? Como resistirá o nosso Orçamento de Estado a inevitáveis alterações na lógica dos subsídios europeus à economia portuguesa? Que acontecerá ao investimento público, que, num País como Portugal, é determinante para o progresso?

É para estas e para muitas outras questões, que aqui poderia adicionar, que temos de começar a exigir respostas. São estes os desafios que importam e não os jogos da pequena política, os almoços mais ou menos conspirativos de A com B, a cor das gravatas com que governantes e opositores se apresentam ou se calçam ténis ou salto alto.

Vai chegar a altura em que, por força das circunstâncias, estes temas entrarão em força na agenda. Mais vale agir, enquanto ainda se pode ter a pretensão de poder exercer algum controlo sobre os acontecimentos, do que deixar andar, à espera que o céu nos esmague a cabeça. Ir rezar para a Igreja, invocando o auxílio de Deus, não servirá para nada.

Dos autarcas agora eleitos reclama-se que tenham consciência de que já não lhes bastará apenas taparem os buracos das ruas das localidades que gerem. Têm de assumir-se como primeiros intérpretes da realidade e constituírem-se como verdadeiros instrumentos de pressão sobre quem, a nível central, precisa de criar condições para o País ser mais do que aquilo que é, à luz da extraordinária dimensão do que nos espera.

Existir uma força política maioritária em Portugal, na Assembleia da República, no Governo e nos Municípios pode ser bom ou mau, dependendo do uso que fizer do Poder que alcançou. É ver para crer.

PS: Volto ao Benfica. A TVI e a CNN têm feito o seu trabalho, na cobertura das eleições no maior clube português, com profissionalismo, distanciamento e preocupação de rigor. Quando as candidaturas acusam os canais de facciosismo estão a usar de má fé e a desrespeitar o trabalho de jornalistas que mais não querem do que cumprir a sua missão: informar, com frontalidade e transparência, os espectadores, em geral, e os adeptos do Benfica, em particular, abrindo clareiras na poeira que é atirada para os olhos pela propaganda