Um novo contrato entre gerações, a pensar na política do dia depois.

A nível nacional, há iniciativas fiscais para travar a emigração, como as propostas de isenção de IRS para jovens. Sabemos disso. Porém, os próprios jovens dizem que o problema vai muito além dos impostos – envolve salários dignos e reconhecimento profissional.

Vivemos um tempo curioso: as luzes das campanhas apagam‑se, os cartazes descem lá do alto e a vida volta à rotina. Quem olha de fora pensa que tudo muda em quatro anos, mas quem acompanha de perto percebe que os grandes desafios permanecem e, em muitos casos, agravam‑se. Esta é a beleza – e o peso – da política local: depois das campanhas, ficamos nós, os cidadãos, a olhar uns para os outros e a perguntar‑nos que cidade deixamos aos nossos filhos e netos.

A realidade demográfica é dura e não admite truques ou populismos fáceis em procura de likes ou para se ter humor. Portugal está entre os países da União Europeia com menos jovens: apenas 12,8% da população tinha entre 0 e 14 anos em 2023, segundo o Instituto Nacional de Estatística. Nos últimos cinquenta anos, a dimensão de jovens no nosso país caiu de 28,5% para 12,6%, enquanto que a nossa população com mais de 65 anos duplicou de 9,7% para 24,3%. O índice de envelhecimento atingiu 192 idosos por cada 100 jovens em 2024, e o ritmo de renovação da nossa população activa está abaixo da média europeia.

Somos e estamos um país velho.

Ainda para agravar estes números estatísticos, cerca de 30% das pessoas nascidas em Portugal entre os 15 e os 39 anos vivem e trabalham no estrangeiro, correspondendo a mais de 850.000 emigrantes ativos. Que número péssimo para o presente e futuro do nosso país. Esta saída em massa – que é indiferente se foi sob alçada de um governo de direita ou de esquerda; isso não resolve problema nenhum – afecta a fertilidade: cerca de 20% dos nascimentos de mães portuguesas já ocorrem fora do país. Sabíamos disto? Pensamos isto?

Estes números não são apenas estatísticas. São mais cureis que isso. Estes números são o espelho de um contrato social que se está a desfazer. Os pais pagam a educação, mas os filhos emigrados pagam impostos lá fora; os avós cuidam dos netos, mas as pensões de amanhã dependem de quem cá trabalha hoje ainda. É fácil culpar o governo ou a economia global, mas a verdade é que, a nível local, também podemos – e devemos – fazer diferente.

O que significa então, para mim, um novo contrato entre gerações?

Um contrato entre gerações não se escreve como uma lei nem se assina numa mesa de notário. Muito menos deve ter linhas ideológicas que bloqueiem a base sociólogica. Deve ser um entendimento tácito de que cada geração investe na seguinte e é cuidada pela anterior. Hoje, esse pacto está desequilibrado. Não sou eu que o digo, são vários números e estatísticas que infelizmente apenas partilho aqui (e haveria mais). Se queremos que os jovens fiquem e que os idosos vivam com dignidade, precisamos de estratégias concretas que passem pela proximidade, pela inclusão e pela valorização do talento.

  1. Habitação acessível e urbana – Sem casa, não há futuro. Os municípios podem criar programas de habitação a preços controlados para jovens casais, reabilitar imóveis públicos para arrendamento acessível e promover novos modelos de co‑housing intergeracional, onde avós e estudantes partilham espaços e histórias.
  2. Emprego qualificado e inovação – Criar laboratórios municipais de inovação, aceleradoras de startups e programas de residência tecnológica que atraiam talentos. Parcerias com universidades e empresas locais para estágios pagos e projectos de investigação aplicados podem fixar jovens graduados e trazer actividade económica.
  3. Reforma fiscal local – No âmbito das competências municipais, é possível reduzir taxas para quem decide viver e trabalhar no concelho: isenções ou reduções no IMI para jovens proprietários, incentivos à reabilitação urbana e apoio a negócios de base local. O objectivo não é competir com o Estado, mas mostrar que uma autarquia sabe valorizar quem a escolhe.
  4. Cultura e sentimento de pertença local – A cultura não é um luxo. Mas é a argamassa que mantém uma comunidade coesa. Programas que promovam a participação activa de jovens e seniores – desde festivais de música a clubes de leitura intergeracionais – fortalecem o sentimento de pertença. Quando uma cidade vibra culturalmente, os laços afectivos tornam‑se tão importantes quanto o salário.
  5. Mobilidade e espaços públicos – Urbanismo amigo das famílias: mais parques infantis, vias cicláveis seguras, transportes públicos fiáveis (e enquadrados as dinâmicas familiares e laborais) e tarifas amigas dos jovens. As pessoas não ficam numa cidade onde andar de autocarro é um caos ou onde as crianças não têm onde brincar. 
  6. Participação cívica e transparência – Um município que envolve os cidadãos na definição do orçamento ou na escolha das prioridades devolve‑lhes poder. Plataformas de dados abertos, assembleias participativas e relatórios periódicos de execução permitem que todos acompanhem o progresso e criem confiança.
  7. Humor e humanidade – O debate demográfico costuma ser sisudo, mas a política local pode – e deve – ter alma. Talvez não possamos pedir às nossas avós que dancem no TikTok, mas podemos pedir‑lhes que nos ensinem a dançar o corridinho. O riso partilhado entre gerações também constrói comunidade. Porque os municípios com séculos não se rejuvenescem a ver o que faz o mundo evoluir?

Este dilema não é exclusivo de Portugal, saibamos. Infelizmente é maior. São várias as democracias europeias que enfrentam o mesmo declínio demográfico. Porém, em muitos países, as cidades têm assumido a liderança nas políticas públicas de rejuvenescimento social: Cascais reduziu a criminalidade com videovigilância comunitária e revitalizou espaços urbanos, enquanto Bilbau transformou antigos bairros industriais em zonas de convívio, aproximando jovens e seniores. O nosso compromisso não deve ser so o de copiar modelos, mas podemos todos aprender com eles (e há tantos!) e adaptar‑los à nossa realidade.

A nível nacional, há iniciativas fiscais para travar a emigração, como as propostas de isenção de IRS para jovens. Sabemos disso. Porém, os próprios jovens dizem que o problema vai muito além dos impostos – envolve salários dignos e reconhecimento profissional. As autarquias não definem salários, mas podem criar condições para que a economia local seja competitiva, apostando em sectores como a economia verde, o turismo sustentável e as indústrias criativas.

Escrever este artigo é, em si, um acto de liberdade. Alguns esperarão confissões ou explicações sobre resultados eleitorais porque estamos a viver um pós-eleições autárquicas. Sobre quem venceu e quem perdeu. Sobrem quem lidera a Associação Nacional de Municípios. Lamento. Não as encontrarão aqui. A verdadeira grandeza está em olhar para lá do calendário político, para um horizonte de 25 anos, e dizer: “Estou aqui para ficar e para construir.” A minha ambição ao longo do tempo que escrevo não foi, não é e jamais será conquistar manchetes com ressentimentos, mas acredito que a política pode conquistar corações com propostas e, quem sabe, arrancar um sorriso com uma metáfora bem colocada. A política pública é mais simples do que se vende.

Portugal é um país envelhecido, mas não está condenado à decadência. Se 30% dos nossos jovens estão lá fora, sejamos nós que cá estamos a criar as condições para que regressem – não com discursos inflamados e populistas, ou daqueles tiffosi que não sabem ganhar e passam semanas a diminuir quem perdeu tipo bullying político, mas com projectos concretos. Se os números nos dizem que o tempo escasseia, respondamos com uma espécie de urgência lúcida e estratégica aos problemas. Um novo contrato entre gerações não se impõe: constrói‑se, rua a rua, casa a casa, com políticas públicas sérias e com o envolvimento de todos. E sim, deve ser aproveitado quando todos querem debater: seja em eleições autárquicas ou legislativas (com jeitinho, até nas europeias e nas presidenciais).

No final de todas as contas e estatísticas, não se trata de uma cidade ganhar ou perder eleições; trata‑se de garantir que cada criança que nasce tenha motivo para ficar e cada idoso que cá vive tenha motivo para sorrir. Esse é o único resultado que verdadeiramente conta. E, quanto a mim, não há derrota que me retire a vontade de lutar por isso.