Os benfiquistas gostaram de ouvir as juras de amor ao clube por parte dos seis candidatos, mas agora têm de decidir se querem manter o registo que vem de 2003 ou seguir uma estratégia diferente para o futuro. Não vamos pelas sondagens, vamos sim pela imagem que têm junto da nação benfiquista e pela máquina de comunicação que os apoia. Nesse sentido, Rui Costa, João Noronha Lopes e Luís Filipe Vieira estão melhor posicionados para chegar à presidência do Benfica. João Diogo Manteigas e Martim Mayer capitalizaram apoios que podem ser importante… no próximo ato eleitoral. Já Cristóvão Carvalho passou quase despercebido.

O facto de haver seis candidatos é sinal de vitalidade, como ficou bem demonstrado pelas presenças nas televisões, conferências de imprensa e comunicados. Se a ideia era elucidar os sócios, então, ficou muito por dizer. A campanha foi pobre no debate de ideias. Muitas não passam de projetos de intenção, que se repetem a cada ato eleitoral.
Esperava-se uma campanha com elevação e civismo, mas o que mais houve foram ataques pessoais e críticas ferozes à atual direção, que respondeu com acusações sobre a idoneidade daqueles que pretendem ser alternativa. E a campanha escalou no mundo digital, com as redes sociais a tornarem-se lixo tóxico.
A campanha foi um desnorte e um lavar de roupa suja, com demagogia barata, realidades distorcidas e muito oportunismo. Passando por cenas pouco dignificantes na última Assembleia Geral, por sondagens feitas em cima do joelho e pelo dinheiro russo da transferência de Germán Conti – tudo isto, e muito mais, serviu de arma de arremesso num clube profundamente dividido, onde ninguém sabe o que vai acontecer a 25 de outubro.

Mania das grandezas
A preocupação de Luís Filipe Vieira é construir um novo recinto com 120 mil lugares, um complexo comercial e um hotel – foi a resposta ao projeto de Rui Costa de aumentar a lotação da Luz para 80 mil pessoas e construir uma cidade à volta do estádio, a que chamou Benfica District. Cristóvão Carvalho quer ganhar três títulos europeus nos próximos 12 anos e contratar Jürgen Klopp. Noronha Lopes prometeu a contratação de Bernardo Silva – o jogador tem contrato com o Manchester City até junho de 2026, mas serviu de bandeira de propaganda.
Estas foram algumas das ideias megalómanas e de pouca razoabilidade que ouvimos nas últimas semanas, só que para isso são precisos muitos milhões. Falou-se em investimentos na ordem dos 200 milhões de euros, mas ninguém disse de onde vinha o dinheiro.

O aumento da lotação do Estádio da Luz é uma prioridade de quase todos os candidatos, pois sabem que o impacto junto dos sócios. As exceções são João Diogo Manteigas e Cristóvão Carvalho, que defendem a sua modernização.
Ninguém apresentou um projeto desportivo sólido para evitar que o Benfica gaste mais de 100 milhões de euros por época em contratações e empréstimos para depois ficar a ver o Sporting e o FC Porto a conquistarem títulos e troféus.
Cristóvão Carvalho, por seu lado, apresenta um modelo financeiro que pretende reter os melhores jovens, pelo menos por quatro anos, como se isso fosse possível no futebol moderno. Das duas uma: o modelo financeiro não é para levar a sério ou estão a mandar areia para os olhos dos adeptos. Sem essas receitas como é que o Benfica pagava as contas?
Em julho, Rui Costa decidiu avançar com a recandidatura… que o desajeitado Bruno Lage tinha anunciado, em fevereiro. Começou a campanha à defesa, mas rapidamente mudou de registo devido ao que chamou «uma campanha suja» e por sentir que é «o alvo a abater», já que é o incumbente.

Curiosamente, foi cauteloso para com Luís Filipe Vieira, que disse dele ‘o que Judas não disse de Cristo’, e criticou duramente João Noronha Lopes, talvez por sentir que é daí que vem a principal ameaça. Passou ao lado dos fracos resultados desportivos (venceu um campeonato e três trofeus em quatro anos) e deixou a ideia de que foi vítima do mau trabalho que estava para trás, do tempo em que foi diretor desportivo e administrador da SAD…
A campanha eleitoral ficou marcada por ataques pessoais, que mais pareciam ajustes de contas. E, depois, houve o momento João Noronha Lopes. O candidato divulgou as declarações de rendimentos entre 2017 e 2023, após a reportagem da CNN Portugal/TVI/Nascerdo SOL sobre a situação financeira das suas empresas, e ficámos a saber que acumulou 23 milhões de euros entre rendimentos do trabalho e proveitos das vendas de títulos mobiliários.
A candidatura de Luís Filipe Vieira abanou, e de que maneira, com as eleições.
«Estou inocente», disse. «Os processos judiciais para mim não contam», afirmou repetidas vezes. Foi muito crítico para com os outros candidatos, especialmente Rui Costa, com quem trabalhou durante 13 anos e chamou de delfim, disse que «João Diogo Manteigas quer imitar Bruno de Carvalho, mas é muito pequenino», e lembrou o trabalho feito ao longo de 19 anos na esperança de que o tempo volte para trás. Vieira tem um projeto que passa pela entrada de novos parceiros, que permitam ao Benfica ter hegemonia em Portugal e ganhar na Europa.

João Diogo Manteigas foi sempre muito ativo e corrosivo sobre o momento atual do Benfica. Disparou em todos os sentidos. «Luís Filipe Vieira veio para dividir, João Noronha Lopes veio para iludir e Rui Costa continua a desiludir. A nossa candidatura veio para unir», afirmou o candidato, que não esqueceu Martim Mayer: «Fiquei a saber que Martim e Vieira falam e estão juntos nesta luta eleitoral».
Martim Mayer é neto de Borges Coutinho, um dos presidentes mais marcantes na história do Benfica, mas não tem peso junto dos sócios. Assumiu-se como candidato da renovação, fez uma campanha válida e esclarecida e fica bem posicionado para uma eventual futura candidatura. A declaração «queremos um Benfica que meta medo aos adversários» e «temos de acabar com o espírito burguês no clube» não vão cair no esquecimento dos sócios. Martim Mayer pretende também criar o Benfica Innovation Lab.
Cristóvão Carvalho quer aumentar as receitas com o aumento da presença do Benfica em África, na Ásia e EUA, podendo chegar aos 700 milhões de euros no prazo de quatro anos. Disse também ter uma linha de crédito de 400 milhões de euros, mas não disse qual a entidade financeira. O candidato frisou que: «O nosso projeto foi pensado para um Benfica europeu».
Há 255.117 sócios que podem votar. Se todos votassem dava o impressionante número de 4.298.805 votos! pois há boletins que valem 3, 10, 20 e 50 votos consoante o número de anos do associado. Dificilmente algum candidato tem mais de 50% dos votos, o que obriga a uma segunda volta, com os dois mais votados, a 8 de novembro.

Rendimentos de Noronha Lopes geram dúvidas
João Noronha Lopes tornou públicas as declarações de rendimentos de 2017 a 2023, numa atitude de transparência que, no entanto, suscitou muitas dúvidas. O Nascer do SOL sabe que já foram enviadas ao Ministério Público (MP) e à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) várias participações – ou denúncias – questionando a conformidade legal dos dos documentos apresentados pelo candidato.
Uma das questões prende-se com o facto de Noronha Lopes ter tornado público o valor de venda de títulos mobiliários, omitindo propositadamente o preço de compra – ou melhor, os valores estão lá, mas rasurados, pelo que é impossível, por exemplo, saber quais as mais valias em causa.
Confrontada com esta e outras questões, a assessoria de Noronha Lopes adiantou que «os números rasurados têm a ver com o sujeito passivo B, não há mal nisso». E acrescentou que o candidato justificou essa decisão com o facto de o valor das realizações constituir prova suficiente da ordem de grandeza dos rendimentos obtidos com a venda de valores mobiliários, e que não houve quaisquer perdas registadas nas operações declaradas.
Os denunciantes enumeram um conjunto de factos já públicos que justificam a abertura de inquérito: entre 2017 e 2023, declarou publicamente ter auferido cerca de 23 milhões de euros; até 2020: rendimentos elevados de trabalho dependente em funções internacionais; após 2021: queda acentuada no trabalho compensada por mais-valias na venda de títulos mobiliários; reconhecimento de que grande parte da fortuna foi acumulada no estrangeiro até 2020; empresas participadas acumulam prejuízos superiores a 2,8 milhões de euros; declaração de que a campanha eleitoral é ‘smagadoramente autofinanciada’, sem apresentação de mapa discriminado de fundos.
Mais: assume que exerceu e exerce funções de consultor em diversas grandes empresas internacionais, mas de 2021 a 2023, de acordo com a tabela que disponibilizou, auferiu de rendimentos de trabalho 21 mil euros nos dois primeiros anos e 21 mil e 500 euros em 2023. Confrontado com esse parco valor em entrevista na CNN Portugal, disse que recebia essas avenças via empresa de consultoria, mas sonsultados os valores dessa empresa, nomeadamente da Porta Branca, verifica-se a inexistência de valores relevantes que tenham entrado, apresentando em 2024, por exemplo, um valor global anual de receita de apenas 34.471,00€.
Acrescentam ainda que desde a saída da McDonald’s, a única empresa internacional de que existem provas documentais de que trabalhou foi a empresa inglesa Crêpeaffaire, no período de 12 de maio de 2022 a 7 de novembro de 2023. Acontece que pelos valores existentes na sua consultora e rendimentos declarados, não se percebe onde terá recebido essa remuneração, tendo em conta que nesses anos já tinha a sua residência fiscal em Portugal. E muito menos onde está a receber os valores respeitantes às 3 empresas de que falou na sua entrevista na CMTV, em que apresentou documentação sobre a sua situação financeira, parte dela rasurada.
O Nascer do SOL sabe também que os denunciantes pretendem que seja averiguado se as declarações de IRS divulgadas correspondem às submetidas à AT.
Os denunciantes justificam o anonimato com o receio de represálias, alegando que o clima que se vive no Benfica tem muitas parecenças com o que que se viveu recentemente no FC Porto e originou a ‘Operação Pretoriano’.