A Semana (17 a 22 de outubro)

Muitos nas esquerdas disseram que o tema não tem relevância em Portugal, mas depois passaram dias a discuti-lo. Ventura deve estar a dar gargalhadas e a pensar como é fácil fazer as esquerdas caírem em armadilhas políticas.

Sexta, 17

As gargalhadas de Ventura

Aqueles que foram contra a proibição do uso da burca em público (todos os partidos das esquerdas), cometeram dois enormes erros, mais um terceiro fatal. Primeiro, identificaram o uso da burca com o Islão, referindo-se a uma discriminação contra os imigrantes muçulmanos. Não sei se por ignorância ou má-fé, ignoraram que o uso da burca divide sociedades e países muçulmanos há décadas. Aliás, divide muito mais do que em Portugal.

Depois, colocaram-se do lado mais reacionário, mais intolerante, mais violento, e mais discriminatório em relação às mulheres que existe nas sociedades muçulmanas. Como é que progressistas e defensores dos direitos das mulheres defendem a burca? Vão ao Irão, à Arábia Saudita, ao Afeganistão e falem com as mulheres desses países.

O terceiro erro, fatal, foi o seguinte. Em qualquer outra circunstância, todas as esquerdas seriam contra o uso da burca, só não foram agora porque foi o Chega que propôs a legislação. A verdade é simples: entre a burca e o Chega, as esquerdas escolhem a burca. E todos os portugueses viram. 

Muitos nas esquerdas disseram que o tema não tem relevância em Portugal, mas depois passaram dias a discuti-lo. Ventura deve estar a dar gargalhadas e a pensar como é fácil fazer as esquerdas caírem em armadilhas políticas.

Sábado, 18

O regresso do terror do Hamas

As tropas de Israel saíram de Gaza, e o Hamas voltou a matar os seus. Pensem bem no que aconteceu. O Hamas procura reforçar a sua legitimidade à custa do sofrimento da população de Gaza. Quando as tropas de Israel deixam de atacar Gaza, os membros do Hamas abandonam a segurança dos tuneis, e começam a matar indiscriminadamente habitantes de Gaza que sofreram os ataques de Israel. Desde o cessar-fogo, o Hamas tem feito execuções sumárias, mata inocentes e assalta hospitais.

É este grupo de assassinos que a extrema-esquerda defende e a quem se alia. E foi a eles que governos europeus, entre eles o português, deu a vitória política do reconhecimento do ‘estado’ da Palestina.  

Domingo, 19

Notícia do ano: o PS apoia Seguro

O PS demorou, o PS adiou, o PS torceu-se, mas lá acabou por apoiar a candidatura presidencial de António José Seguro. O PS apoiou Seguro à última da hora, mas continua dividido, continua a existir muita resistência a Seguro no interior do partido, e muitos dirigentes socialistas nunca votarão em Seguro. Já se percebeu que a ala mais à esquerda votará em Catarina Martins ou em António Filipe. Muitos dos herdeiros do costismo votarão no Almirante Gouveia e Melo.

Não admira que muitos no PS não gostem de Seguro. O partido virou nos últimos anos à esquerda, mas o agora candidato presidencial continuou no centro-esquerda, no espaço da social-democracia europeia. Além disso, Seguro foi oposição a Sócrates e a Costa, os dois últimos líderes marcantes do PS (em grande medida para o mal), e sofreu muito por isso. A oposição a Sócrates e a Costa talvez seja mesmo a grande virtude política de Seguro.

Segunda, 20

O telefonema entre Rubio e Lavrov correu muito mal

Na quinta-feira, Putin pediu para falar ao telefone com Trump. Falaram durante mais de duas horas. Foi o suficiente para Putin conseguir estragar o encontro do dia seguinte entre Trump e Zelensky. O Presidente norte-americano anunciou ainda que iria encontrar-se em Budapeste com Putin, mas nunca deu uma data para o encontro.

Hoje, o Secretário de Estado, Marco Rubio, falou ao telefone com o MNE russo, Lavrov. Deve ter sido um dos piores telefonemas das vidas diplomáticas dos dois. Passadas 24 horas, o encontro de Budapeste, que nem sequer tinha data, foi cancelado (ou, segundo os húngaros, adiado).

Terça, 21

Pinto Balsemão

Pinto Balsemão morreu. Eu discordava dele em muita coisa, e acho que o seu pensamento político ficou preso nas circunstâncias do 25 de Abril e da revolução portuguesa. Mas ficarei para sempre agradecido à sua contribuição política. Acima de tudo, foi um dos fundadores do regime democrático português. E teve a coragem de lutar politicamente contra o Estado Novo, quando muitos outros, que hoje se declaram exemplos da democracia portuguesa, se sentiam muito confortáveis na companhia dos líderes do regime autoritário. Depois do 25 de Abril, voltou a lutar pela democracia pluralista contra as ameaças comunistas e de extrema-esquerda que queriam fazer de Portugal uma Cuba ou uma Albânia. Além disso, foi um dos fundadores do partido onde mais votei durante a minha vida de eleitor. Obrigado Francisco Pinto Balsemão pela sua contribuição importante para a nossa liberdade e a nossa democracia.

Em segundo lugar, confesso também a minha admiração pelo seu trabalho como empresário da comunicação social. Antes de mais, admiro a sua convicção de que os órgãos de comunicação social deveriam ser privados. Pinto Balsemão lutou pelas privatizações quando os jornais, as televisões e as rádios eram na sua maioria propriedade do Estado. Venceu essa batalha (a luta ainda está por terminar). Aliás, o governo deveria seguir o exemplo de Pinto Balsemão e privatizar sem demora a RTP.

Mas como empresário de comunicação social e fundador do Expresso e da SIC, Pinto Balsemão praticou a liberdade. Em Portugal há muitos que têm a boca cheia da palavra liberdade, mas não a praticam integralmente. Pinto Balsemão era um homem que respeitava a liberdade. Estou certo que discordou de muita coisa que leu no Expresso e ouviu na SIC, mas nunca limitou a liberdade daqueles de quem discordava. É muito fácil respeitar a liberdade daqueles com quem concordamos. Difícil é respeitar a liberdade daqueles com quem discordamos. As ideologias que Pinto Balsemão derrotou politicamente nos anos de 1970 acabaram por ter uma enorme expressão no Expresso e na SIC. Eis a marca de um homem que colocou a liberdade acima de tudo. Muitas vezes, senti (e sinto) uma enorme irritação a ler o Expresso e a ouvir a SIC. Mas hoje, confesso, só ficou a minha admiração. Obrigado Pinto Balsemão pelo seu exemplo de liberdade. Não há nada mais digno do que um homem livre.

Quarta, 22

Finalmente Trump

Finalmente, Trump impôs sanções à Rússia, neste caso às duas maiores companhias de petróleo russas, a Rosneft e a Lukoil. Estamos perante um momento de viragem na guerra. Em primeiro lugar, é seguramente uma viragem na política da Administração Trump, já que são as primeiras sanções impostas à Rússia desde que o Presidente chegou à Casa Branca. E logo às duas maiores petrolíferas russas, decisão que Biden nunca foi capaz de tomar, nem os líderes europeus.

Em segundo lugar, pode ser um momento de viragem para a Ucrânia, no bom sentido, e para a Rússia, no mau sentido. As sanções norte-americanas terão um impacto muito negativo na economia russa. Muito provavelmente, dois dos maiores compradores de petróleo russo, a Índia e a Turquia deixarão de o comprar. A Rússia continuará a vender petróleo à China, o seu principal aliado nesta guerra, mas no resto ficará isolada do mercado global de energia. A Rússia ficará enfraquecida e continuará a reforçar a sua dependência da China, talvez um dos maiores custos desta guerra, e que marcará a política russa durante muitos anos.