Ives Gandra Martins. ‘No Opus Dei se fala do sexo como uma realidade belíssima’

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É neto de portugueses, e uma figura proeminente no Opus Dei, do Brasil. Veio a Portugal lançar o seu livro, a Santificação do Trabalho, à boleia do convite do juiz Gilmar Mendes, de quem é amigo há 40 anos, apesar de pensar de forma diferente dele em relação a muitos assuntos, nomeadamente a prisão de Bolsonaro. Ambos serviram Fernando Henrique Cardoso. Ives usa cilício há 40 anos e explica porquê, bem como a razão de viver para a Obra desde os 17 anos

Veio a Portugal para apresentar o seu livro a Santificação do Trabalho, por ser do Opus Dei, mas foi convidado por Gilmar Mendes, ministro [juiz]do Supremo Tribunal Federal brasileiro?

Quem está patrocinando a minha vinda é esse fórum sobre novos rumos da tributação, e eu aproveitei para fazer o lançamento do meu livro, Santificação do Trabalho, que vai sair pela editora Paulus.

É uma ligação um bocado engraçada porque o Opus, normalmente, prima mais pelo secretismo. Não estou a ver em Portugal um juiz assumir-se do Opus. No Brasil é diferente? 

Entrei para o Opus Dei quando era menino, com 17 anos, e quando tinha 22 anos, logo depois que me formei, fui para Brasília para começar um centro do Opus Dei, e estou lá até hoje, há 43 anos. O Opus Dei em Brasília cresceu muito, hoje tem dois centros masculinos, dois centros femininos, dois colégios, uma casa de retiro e, ao mesmo tempo, fiz a minha carreira na Justiça do Trabalho, fui assessor de ministro, depois fiz concurso para o Ministério Público, fui procurador do trabalho, durante 11 anos, nos dois últimos anos trabalhei com o Presidente Fernando Henrique [Cardoso], como assessor dele junto com o ministro [juiz] Gilmar, a nossa amizade vem desde os tempos de mestrado, em 85, há 40 anos. É uma amizade muito grande e quando em 99 teve vaga para procurador do Trabalho no Tribunal Superior de Trabalho concorri e o Presidente Fernando Henrique me nomeou. Então estou lá no tribunal hoje como decano do tribunal, há 26 anos, e procuro viver essa espiritualidade do Opus Dei no meu trabalho de juízo e juiz do trabalho. Casou tudo, porque a espiritualidade do Opus Dei é a santificação do trabalho e eu procuro compor as relações trabalhistas nas empresas da melhor forma possível. Só para ter ideia, durante os anos que era vice-presidente do tribunal, eu tinha que conciliar as grandes greves nacionais, dos correios, dos aeronautas, dos petroleiros, dos ferroviários, e praticamente 100% eu conciliei, conversando com muita humildade, com muito diálogo, com muita paciência, colocando em prática essa espiritualidade.

Isso tudo vivendo num centro do Opus Dei.

Sim, eu sou um membro numerário, daqueles que são celibatários, que vivem nos centros, aquilo que eu dedicaria tempo à minha família dedico à formação, à minha formação pessoal, e ao mesmo tempo dou formação a todas as pessoas que participam dos meios de formação do Opus Dei. 

Passa mais horas no centro do que no tribunal.

Não, como qualquer trabalhador, 8 horas no batente lá do tribunal, com sessões de julgamento, atendimento de advogados, coordenar uma equipe muito grande, são 50 funcionários, hoje sou dos que tem menos estoque [processos pendentes], tenho 10 mil processos, mas tem colegas com 25 mil processos, para conseguir empatar o jogo eu tenho que exarar 100 decisões por dia, claro que eu não analiso todos os processos, os meus assessores sabem como eu penso, já tenho os modelos, aquilo que foge do padrão me consultam, mas esse é o meu dia-a-dia, e fora do tempo de trabalho, tenho essa disponibilidade para atender essas atividades, retiros, palestras, convívios, recolhimentos. O principal mesmo  é o apostolado pessoal com os meus colegas, a coerência de vida, para você viver nos julgamentos, nos embates, nos diálogos, essa vida cristã, e vários dos meus colegas ministros [juízes] do TST, do tribunal ao lado, que é o STJ, alguns do Supremo participam dessas reuniões que eu organizo. Faço palestras para os meus colegas ministros que são os juízes dos tribunais superiores, colocando em prática a doutrina social cristã, na composição dos conflitos trabalhistas.

Vamos imaginar que está a julgar alguém, e sabe que um é membro do Opus Dei e outro não é. Há quem diga que o Opus Dei protege o Opus Dei, a maçonaria protege a maçonaria. Como consegue separar as coisas?

O Opus Dei não é a maçonaria católica, não há qualquer proteção ou qualquer parcialidade porque é membro do Opus Dei ou não é membro do Opus Dei. Tanto que quando conversei com um amigo meu, que é maçom, percebe-se que na maçonaria é diferente, e perguntei para ele: ‘Se você tivesse dois subordinados, um maçom e o outro não, você promoveria o maçom ou  o mais competente’? Ele respondeu: ‘Ives, mas a coisa não é tão simples, o irmão tem que ser tratado de forma diferente, porque ele tem algumas qualidades a mais’. E eu disse: ‘Isso aí não é a moral cristã’, então no Opus Dei não existe absolutamente essa parcialidade. 

Em 2018, nos 50 anos do Opus Dei no país, foram publicados vários artigos com muitas queixas ao Opus Dei. Como é que reage, por exemplo, às queixas das numerárias auxiliares que dizem que a elas é só destinado o serviço doméstico, como varrer a casa, lavar privadas, penso que é casas de banho, preparar refeições, que não podiam pegar em bebés, etc. Como encara essas críticas que apareceram, por exemplo, na BBC Brasil? 

A numerária auxiliar tem a vocação de viver a santificação do trabalho doméstico, são empregadas domésticas que vão trabalhar em centros do Opus Dei. Não havia nenhuma normativa do ponto de vista trabalhista na época, não se atentava para esse aspecto legal, porque se pensava mais no aspecto vocacional, tanto que a jurisprudência toda brasileira é quando você se dedica a uma atividade por  vocação, não há vínculo de emprego, mas, na verdade, como o Opus Dei é uma entidade laical, o que se fez no Brasil quando começaram a surgir essas questões trabalhistas em relação às numerárias auxiliares, eu até colaborei na solução, passou por se criar cooperativas de trabalho em que as numerárias eram cooperadas dessa cooperativa. Isso significa o quê?  Significa que o trabalho delas não é como empregada, é como participantes de uma cooperativa que oferece serviço a um centro do Opus Dei. 

Oferece gratuitamente? 

Não, não, remuneradamente, porque as cooperativas de trabalho são remuneradas. Só para ter uma ideia, para contextualizar, em 2002 participei em Genebra na conferência internacional da OIT, e nessa conferência discutiu-se o tema das cooperativas de trabalho, e essa temática foi aprovada internacionalmente, como uma forma de organização de trabalho que valoriza muito mais o trabalhador, porque você não é um empregado. Junto com outros, você oferece o teu trabalho. Então o que aconteceu? No Brasil, essas cooperativas de trabalho foram regulamentadas em 2012.

Podem ser numerárias auxiliares e receberem?

Recebem como ‘cooperadas’ de uma cooperativa, e vivem do Opus Dei. Por exemplo, no meu centro, deve ter umas quatro numerárias auxiliares que cuidam lá do meu centro.

Não vivem onde vocês vivem? 

Cada centro do Opus Dei, tem um anexo das numerárias auxiliares, que cuidam de toda a administração doméstica, mas com total separação. Portas separadas com tranca dos dois lados.

Por que não há mulheres no Opus Dei com cargos importantes também? 

Dentro do meu gabinete, trabalharam comigo, pelo menos, um rapaz e uma moça do Opus.

O que fazia ela?

Os dois eram meus assessores jurídicos.

Diz-se que o Opus Dei é altamente elitista, que procura as famílias mais ricas, e que as mulheres são uma classe à parte, pois são inferiores.

Quando não se conhece a realidade toda do Opus Dei, você fica no que aparece e esquece o que não aparece. Lá no Brasil, por exemplo, nós temos uma escola, o CEAP, Centro Educacional e Assistencial da Pedreira, está  num dos bairros mais pobres lá de São Paulo, é para formar menino de rua. Dar uma formação técnica para que saia da pobreza, e olha, tem muita empresa que colabora, que dá aporte lá, porque é tudo na base de bolsa, a maior parte. Essa realidade, muitas vezes, não é conhecida. As pessoas olham assim, quem está aparecendo, quem tem destaque, tem todo um trabalho que é, vamos dizer, desconhecido.

Viu o filme de Dan Brown, O Código da Vinci? Não retrata nada da realidade do Opus Dei, os cilícios, essas coisas não existem?

Vou contar um diálogo que tive com um colega meu. Um dos ministros [juiz] lá do meu tribunal – e vou contar para entender um pouquinho o preconceito que as pessoas têm – chegou para mim e disse assim:  ‘Você assistiu ao Código da Vinci?’. Eu não tinha assistido na época. ‘Nunca imaginei que aquele quadro da Última Ceia tivesse realmente a Maria Madalena em vez de São João’, ele foi-me descrevendo o ‘negócio’ como se fosse realidade, tudo aquilo que o Dan Brown colocou. Eu disse assim: ‘Mas Wagner, você acredita naquilo? Você pega o Mel Gibson quando fez a A Paixão de Cristo, ele estudou, ele fez na língua em aramaico’, e ele vira para mim e diz assim: ‘Ives, você acredita que foi daquele jeito?’. ‘Wagner, não tem diálogo. Quer dizer, um trabalho sério que foi o filme do Mel Gibson, você compara com o Código da Vinci, ele pinta Jesus Cristo como o cara que transou com a Maria Madalena e teve uma linhagem. O Papa é o capo da máfia da Igreja para esconder tudo isso aí. O Opus Dei é o braço executivo e os membros do Opus Dei, os numerários, são monges vestidos de assassinos, quer dizer, você vê a diferença entre um trabalho sério e um trabalho que não é sério.

E o lado folclórico do filme, por exemplo, o cilício, os sacrifícios. Isso existe ou não?

Outro dado, um outro colega meu, um outro ministro [juiz] virou e disse, depois de ter assistido ao filme: ‘Eu defendi o Opus Dei quando disseram que usa cilício, disciplina e tal, claro que vocês não usam’,  e eu digo, ‘Douglas, há 40 anos que eu uso o cilício, isso é disciplina. Agora, eu não fico alardeando, é penitência que faço.

Por que usa o cilício? 

É uma penitência.

Não o incomoda a dor?

Claro, mas é exatamente a dor que eu estou fazendo na penitência para diminuir o meu tempo de purgatório. 

Não acha que há um certo fanatismo nessa visão? 

O que é um fanático? O fanático é alguém que pensa de um jeito e não admite que outros pensem diferente. Você pega, às vezes, alguns muçulmanos que impõem a você a sua fé. Sou coerente com a minha fé, acredito que se fizer penitência vou diminuir o meu tempo de purgatório. Então, o cilício é uma  prática ‘bimilenar’ na Igreja. 

O Opus Dei não tem tanto tempo.

Não, mas por exemplo, um colega meu, outro ministro (juiz), quando soube, por causa do Código da Vinci, que eu usava cilício, perguntou onde é que conseguia arranjar pois também queria fazer penitência. ‘É só ir no mosteiro das Carmelitas que consegue um, elas é que que  fazem. O Opus Dei não fica fazendo cilício.

Quando lançou o livro no Brasil, em 2022, exaltava o Papa Francisco, mas foi o Papa Francisco que retirou vários direitos ao Opus Dei. Por que acha que o Papa Francisco vos retirou esses ‘direitos’?

Quando a Obra estava para ser aprovada,  em 1946, o que era o secretário-geral do Opus Dei ia falar com o Papa, mas um cardeal chegou para ele e disse assim: ‘Os senhores chegaram com um século de antecipação, isso que os senhores querem não é possível, não existe no Direito da Igreja’. O que eles não entendiam? Que uma pessoa casada ou uma pessoa, um leigo como eu, sem usar hábito, sem fazer voto, tivesse uma vida de entrega a Deus. Era um negócio assim inimaginável, se você sendo casado conseguir não ir para o inferno já está bom, agora a ideia de santificação, de perfeição de entrega a Deus, isso era inconcebível. Pois bem, essa mentalidade, se eu chegar com um século de antecedência, se isso foi dito em 1946, ainda não fez um século. Então ainda tem muita gente que não entende a realidade do Opus Dei.

Mas há diáconos que são casados e outros que o não são. 

Sim, mas os casados são supernumerários no Opus Dei. Esses têm uma vocação de entrega a Deus, no casamento. O matrimónio é uma vocação de entrega a Deus, isso, para alguns clérigos, é inconcebível, é como se dissesse assim: ‘Bom, se todo mundo tem vocação, então quem é que vai querer ser padre, quem vai querer ser religioso, se você está vendendo o ideal de santidade barato, vamos dizer assim? E aí o que acontece, o Papa Francisco estava assessorado por clérigos que pensam, veem essa chamada Universal Santidade, como algo que não poderia ser dessa forma. Para esses assessores canonistas, que assessoraram o Papa, o Opus Dei, a Sociedade Sacerdotal de Santa Cruz, o Opus Dei como prelazia, já que a prelazia é pessoal, seria só de padres. Os leigos não, são ajudantes, não é um negócio tão importante assim.  O Papa Francisco se deixou levar por essa interpretação, do que é uma prelazia, então ele tirou o Opus Dei do dicatério dos bispos e colocou no clérigo, como se o Opus Dei fosse só padres. Quando é dos bispos, significa que é o povo de Deus, é uma coisa mais ampla, aqui fica restrita mais aos padres. Mas o Papa atual já disse que não interpreta da mesma forma.

Que se saiba, não disse ainda nada publicamente, apesar do segundo encontro que teve foi precisamente com o prelado do Opus Dei. Mas ele não disse ainda que vai reverter a decisão do papa Francisco.

O que ele disse, para um determinado clérigo, é que a interpretação que ele dava das prelazias pessoais não era a mesma que dava o cardeal Ghirlanda, foi só isso que ele falou. 

Para clarificar um pouco, no Opus Dei há pessoas que não são padres, são os chamados numerários que não são casados, e vivem juntos, e os supernumerários, que são casados, e espalham, digamos assim, a fé. Não ocupam o púlpito, mas espalham a palavra.

É o que era o começo do cristianismo, os primeiros cristãos – o fundador do Opus Dei falava muito dos primeiros cristãos, a melhor imagem do que é o Opus Dei são os primeiros cristãos, cada um na sua profissão, vivendo o ideal de santificação, casados, solteiros, um era soldado, outro senador, outro era artesão, outro era pescador. É essa a ideia,  de entrega a Deus, no sentido de eu quero um ideal de perfeição, quero levar muito a sério o meu cristianismo.

Aos 17 anos optou pelo Opus Dei. Tem cinco irmãos, algum seguiu a vida religiosa?

Os três que se seguiram a mim, também entraram para a Obra como numerários. Tenho uma irmã, a Ângela, é numerária, hoje ela é secretária de relações internacionais de São Paulo, foi secretária nacional de família no Governo Bolsonaro. Ela tem uma vida pública, mas é numerária também como eu. Outro irmão é professor titular de Matemática, é numerário e vive num centro, ele é professor titular, o equivalente a professor catedrático de Matemática, na Universidade Federal de Minas Gerais. O outro, trabalha numa editora ligada à Obra, na tradução de livros. A caçula é supernumerária, tem seis filhos e um deles com síndrome de Down. Ela era jornalista e depois de ter o terceiro filho, aí ela ficou cuidando mais da família. Mas é bacana, era jornalista. 

Sabe-se que o Papa Leão XIV trabalhou muito com o Opus Dei no Peru. Consegue dizer o que era o trabalho do Papa com o Opus Dei?

No Peru, quando tinha uma região muito pobre e muito grande, a Igreja pediu para o Opus Dei assumir uma diocese, e era uma diocese paupérrima. E o Monsenhor Escrivá mandou os sacerdotes da Obra para cuidar de lá, era em montanha. Com esse trabalho surgiram muitas vocações de índios, muitas vocações de sacerdotes. Nessa região do Peru, se dividiu esse território abandonado em três prelazias, e uma ficou com o Opus Dei, para tentar atender a população indígena. E foram os sacerdotes do Opus Dei que montaram o seminário, se ordenaram muitos sacerdotes nessa diocese e o Papa [então cardeal Prevost] quando foi para uma dessas três dioceses ele conheceu e conviveu com muitos dos sacerdotes que eram desses seminários, que começou com essa diocese paupérrima.

Como essas prelazias ajudam a população?

Era uma população de origem indígena que não tinha atendimento espiritual, não tinha padre, não tinha clero. Foi um sacerdote em concreto da Obra que foi ordenado bispo e ele começou a fazer um apostolado de atendimento à população indígena, conseguiu montar um seminário, conseguiu ter vocações e a partir daí foi atendendo espiritualmente.

Qual a relação da Obra com o ensino?

Aí começou, nessa região do Peru, uma universidade, a Universidade Piura, do Opus Dei. É só Se pensar em termos de promoção humana, promoção social, promoção económica e atendimento espiritual de toda essa população. O Papa, então careal Prevost, conviveu com muitos sacerdotes. 

A Igreja alemã tem assistido à deserção de muitos católicos que deixam de pagar o imposto para a Igreja. Esse dinheiro não vai fazer falta para muitas das missões na América Latina?

O Papa Bento XVI falou que nós teríamos um retraimento do número de católicos, mas numa qualidade melhor. Em vez de ser só de estatística, é pessoa que vive mesmo a fé. Hoje, no Brasil, especialmente em Brasília, mas no Brasil como um todo, vejo um renascimento espiritual que fico impressionado.

Mas o penúltimo censo não diz isso, diz que houve uma queda muito acentuada, com os evangélicos a subir bastante. Já o último, o de 2022, diz que a queda não é tão acentuada mas a queda continua. 

A minha experiência pessoal é diferente. Em Brasília, a igreja  está ao lado da minha casa, a catedral, outras igrejas próximas, muitas, que eu frequento em Brasília… antigamente tinha uma missa diária com pouca gente, hoje, essas igrejas que estou falando, tem três missas diárias e cheias. Por exemplo, em Brasília, o Opus Dei está crescendo muito rapidamente. Posso fazer uma análise equivocada, mas por que cresceram muito os evangélicos no Brasil? Dos anos 60 aos anos 90, teve um engajamento da Igreja Católica, não a Igreja, mas prelados políticos de esquerda, que defenderam a teologia da libertação, que também no Brasil foi muito forte. As pessoas que queriam ouvir falar de Deus iam ouvir falar de política, então pensavam: ‘Eu quero ouvir falar de Deus, e a igreja evangélica está falando de Deus então, começaram a migrar. O que eu vejo atualmente? As igrejas evangélicas estão se politizando, tanto que você, vê deputado pastor fulano tal, deputado bispo fulano tal. No Brasil há muitos deputados evangélicos. Então, o que acontece? 

Há pastores apoiantes de Lula e outros de Bolsonaro?

Sim, mas muito mais de Bolsonaro, mas tem de tudo. Então o que acontece? Aqueles que querem ouvir falar de Deus veem que nas paróquias da Igreja Católica está-se falando de Deus, e antes estava-se fazendo política. Está havendo o movimento reverso agora. É a leitura que eu tenho feito.

Mas o que se diz, por exemplo é que os evangélicos, nomeadamente, em Portugal, têm mais novos aderentes porque há alegria, enquanto que a Igreja Católica, especialmente o Opus, é mais fechada e a palavra prazer não existe.

Não, pelo contrário. Sabe o que o Mons. Escrivá dizia, num ponto de caminho do livro dele, ‘a felicidade do céu é para aqueles que souberam ser felizes na terra’. É viver, por exemplo, a temperança, o que vai fazer com que eu aproveite melhor os prazeres é eu viver a temperança, agora, se eu não vivo a temperança…

E o que entende por temperança?

A temperança é em vez de dizer, não, não posso beber, não, eu vou tomar uma, duas taças de vinho, desde que aquilo não me faça perder o tirocínio. É saber aproveitar os prazeres, mas com a moderação de forma ordenada.

E o sexo? 

A mesma coisa, no caso do sexo.

O sexo entre um casal do Opus Deis não tem como objetivo o prazer. Tem como objetivo a reprodução. Deve ser uma coisa muito monótona! 

Não! Vítor, o meu pai conheceu o Opus Dei em 1962, no Brasil. Ele e a minha mãe entraram para o Opus Dei, as ministras [juízas] do meu tribunal, até do Supremo, dizem assim: ‘Tenho a maior inveja da sua mãe porque o seu pai é um cara apaixonado, nunca vi nada igual’. Todas queriam casar com um cara tão apaixonado. Até hoje, minha mãe já é falecida, meu pai ainda escreve poesias de amor para ela. Se tinha um cara que viveu feliz no matrimónio, teve os filhos que Deus mandou, foi o meu pai que teve a alegria dele de sempre ter uma família grande e a minha mãe.

Então é um mito que os casais do Opus Dei só têm relações para se reproduzirem?

As duas coisas estão unidas… 

Estão unidas não é bem assim… Se a mulher tomar a pílula não vai ter filhos

Falando da temperança, quando você usa os métodos naturais de espaçamento de filhos, você está vivendo a temperança. O que significa? Que não é, eu vou fazer sexo à hora que eu quiser, se eu não quiser ter filho a qualquer momento. Se eu tiver necessidade de espaçar, eu vou ter a relação no momento de infertilidade, o que significa isso? Que eu estou vivendo a temperança. Por exemplo, eu agora ‘juntei’ uma barriguinha boa, vou ter que controlar o garfo. Você pensa assim,  ‘puxa, vou ter que controlar o garfo, não vou poder mais ter prazer?’ Claro que você vai poder ter prazer, mas agora de forma mais moderada, vou ter que fazer mais ginástica. É a mesma coisa, o prazer é incito, há dois instintos nossos, o de auto-conservação que é a comida, de conservação da espécie que é o sexo. Então Deus colocou prazer para a gente cumprir a função.

Não só para reproduzir?

Não é só pelo prazer, porque a gente vê, todas as sociedades que buscaram só o prazer, você pega a degringolada do império romano, o pessoal vomitava para poder continuar comendo, era nojento, e agora pegamos na revolução sexual que foi a da pílula, hoje não tem casamentos estáveis porque o sexo se transa como se toma Coca-Cola. Então você não valoriza, na Obra, no Opus Dei, se fala do sexo como uma realidade belíssima, isso aqui é participar do poder criador de Deus. O Monsenor Escrivá dizia assim, ‘eu abençoo, com as duas mãos, o leito nupcial porque eu não tenho quatro mãos’.

Mas vamos lá ver, para o comum dos mortais, que não é do Opus Dei, o sexo é uma coisa tão natural como beber copos de água.

Sim, mas antigamente, antes da revolução sexual da pílula, você sabia que tendo a relação, fatalmente teria filho. Quando você desvincula uma coisa da outra, você criou uma sociedade, hoje, que é uma sociedade que é assim: ‘Eu não quero ter filho, mas eu quero ter cachorrinho, quero ter isso, quero aquilo’. Você acabou com as relações humanas, está animalizando, não, porque o animal ainda funciona pelo instinto, o homem já nem o instinto mais funciona. Você desumaniza a sociedade.

Qual é a mensagem do livro?

Como encontrar Deus no trabalho e na família, como viver as virtudes cristãs no trabalho e na família. Como diz o subtítulo do livro, ‘O ideal de excelência numa perspetiva cristã’, ou seja, eu parto do seguinte princípio: nós dois, acho que temos algo em comum, nenhum de nós dois quer ser medíocre, a gente quer ser o melhor na nossa profissão – você quer ser o melhor na tua eu quero ser o melhor na minha. Mas a gente tem que ver por que motivo. Pode dizer assim, ‘quero ser melhor para ganhar muito dinheiro’, ‘ah não, eu quero ser melhor para conseguir ter muito poder’, ‘ah, eu quero ser melhor para ser super conhecido em tudo o que é canto’. A perspetiva é: ‘quero ser melhor por amor a Deus e por amor àqueles que convivem comigo’. Como é que eu vou conseguir isso no casamento, por exemplo? Monsenhor Escrivá dizia assim, ele falou para o meu pai e para a minha mãe: ‘Ives, seu caminho de santidade se chama Ruth’, ‘Ruth, seu caminho de santidade se chama Ives’. O que que significa isso? ‘Eu vou procurar ser um cara melhor, porque eu quero fazer feliz a minha mulher, e a minha mulher vai procurar ser melhor, tirar os defeitos que ela tem, para me fazer mais feliz. Até quando o Vítor fala aí do sexo, a mulher diz assim, ‘o que posso fazer para que seja mais atrativa para o meu marido’ em vez de ficar aqui, ele chega do trabalho, ele encontra lá a secretária toda arrumadinha, chega em casa, eu vou ficar assim um brinco para o meu marido…

Como se coordena um retiro espiritual, é ver quem fala, quem não fala? 

Os retiros da Obra são em silêncio. Estava coordenando o retiro, dando palestra, e várias pessoas vieram conversar comigo depois. Vinham para tirar dúvidas, e assim muitas delas questionavam como podiam melhorar o seu relacionamento familiar, então eu questionava: ‘Olha, o que a tua mulher reclama?’ ‘Ah, porque eu viajo muito e deixo muito o peso das crianças’, ‘Viaja menos e vai ser mais feliz, você vai curtir mais as tuas filhas’. São coisas assim muito simples, mas que às vezes as pessoas estão tão mergulhadas no workaholic que esquecem que… é assim, qual é a hierarquia de valores que a gente deveria ter? Deus em primeiro lugar, família em segundo, trabalho em terceiro. Não existe sucesso profissional que compense um fracasso familiar, você rebentou a tua família para conseguir um supercargo, uma super promoção. No Opus Dei o teu projeto familiar é mais importante do que o teu projeto profissional, e dá para ter o projeto dos dois, profissional do marido e da mulher mas aí, vocês têm que pensar assim: não é a vontade de um ou de outro que vai prevalecer, é a vontade da família.

Para o Opus qual é a diferença entre um homem e uma mulher?

É a gestação e o aleitamento.

São iguais?

Claro.

Então qual a razão para as mulheres não poderem ser ordenadas padres? 

Porque na Igreja não pode.

Porquê? Ninguém conseguiu provar que não tenha havido sacerdotisas ou diaconisas… 

Nossa Senhora foi a criatura mais perfeita que saiu das mãos de Deus, ela não foi sacerdotisa em nenhum momento, os sacerdotes só foram ordenados os apóstolos, e sempre só homens. Porquê? É a identificação com Cristo, o sacerdote é outro Cristo.

Para a Obra, por exemplo, era preferível estar um homem no lugar de Meloni, a primeira-ministra italiana?

Não, de jeito nenhum.

E pode haver alguém do Opus Dei que seja gay, por exemplo? 

Não é a vocação.

Como assim? Não são duas pessoas que querem praticar o bem uma com a outra?

Sim, mas a vocação significa o chamado de Deus para viver uma espiritualidade bem concreta, que é a espiritualidade cristã, moral cristã.

Família, homem e mulher.

Se a pessoa, por exemplo, faz a opção, eu quero viver em relação homoafetiva, isso está indo contra a moral cristã. 

E um homem e uma mulher que vivem em união de facto?

É a mesma coisa. Se você está vivendo uma união de fato, se não é casado formalmente, você está em pecado. A moral cristã não muda.

Veio a convite de Gilmar Mendes, uma personagem muito polémica, tanto no Brasil como em Portugal e nos Estados Unidos. O que é que acha destas polémicas? 

Conheço o Gilmar Mendes há mais de 40 anos, nós fomos colegas de mestrado, trabalhámos juntos na Casa Civil da Presidência da República, ele é para mim um amigo irmão, agora nós temos as nossas divergências, mas isso não impede de eu ser…

Está mais próximo de Bolsonaro?

Eu sou amigo do Bolsonaro, sou amigo da Michelle, sou amigo deles, mas não sou bolsonarista, não compro pacote, sou conservador.

Como viu a condenação de Bolsonaro?

Pessoalmente acho que o voto do ministro (juiz) Luís Fux mostra todas as deficiências do processo. O voto dele foi o voto vencido, ele apontou uma série de irregularidades no processo, eu penso da mesma forma que o ministro Fux. 

Como é que o Opus Dei consegue conviver numa coisa tão extremada? 

Uma das coisas bonitas do Opus é que não se fala de política.