Do que está à espera Passos Coelho?

Entre as presidenciais e a viragem sociológica do país à direita, onde fica Passos Coelho…

Quando aparece, ninguém esquece, e Pedro Passos Coelho pode surgir no lançamento do livro de João Cotrim de Figueiredo, Porque sou um liberal, que ocorrerá em Lisboa, a 15 de novembro, com apresentação de Sérgio Sousa Pinto e José Miguel Júdice – recordamos que Júdice esteve na apresentação do livro de António José Seguro, Um de Nós – Sonhar Portugal, Fazer Acontecer, na semana passada, e é agora mandatário nacional da candidatura presidencial de Cotrim de Figueiredo.

O livro será apresentado em Lisboa, alguns dias depois do lançamento no Porto, que acontecerá a 8 de novembro, com apresentação de Cecília Meireles, Inês Maria Meneses e Francisco Assis.

Percebemos também pelos nomes envolvidos na apresentação do livro Porque sou um liberal” que pode ser entendido como um manifesto da candidatura presidencial, que Cotrim Figueiredo aglutina uma série de liberais que ultrapassa a sua tradicional família política, a Iniciativa Liberal.

Dizíamos, então, que ninguém ficaria demasiado surpreendido se Passos fosse até ao El Corte Inglês, em Lisboa, onde será apresentada a obra de Cotrim de Figueiredo, mais pelo autor e menos pelo candidato. Seja como for, a presença de Passos seria sempre significativa, não podendo ser interpretada de outro modo senão como um sinal político. Esta e qualquer outra possibilidade de Passos Coelho romper o silêncio acerca das presidenciais mantém a candidatura de Marques Mendes numa expetativa tensa, muito tensa.

O Nascer do SOLfalou com diversas personalidades próximas de Pedro Passos Coelho e, das conversas informais, retirámos duas ideias essenciais: Pedro Passos Coelho nunca apoiaria Marques Mendes, candidato do PSD e do Governo, e procura agora, numa nova fase da sua vida e do ciclo político nacional, uma oportunidade para regressar à vida política ativa.

Depois de anos a dizer mais ou menos o mesmo: «Já disse que estou fora do debate público e político, e assim desejo manter-me», Passos Coelho acabou por fazer, neste mês de outubro, uma intervenção de grande amplitude que provocou reações que foram do céu ao inferno.

O ex-primeiro-ministro falou sobre imigração, alertando que os portugueses se sentirão estrangeiros «na sua própria terra» se tudo continuar como está, acusando o PS e os governos de António Costa de oito anos de inação nesta matéria.

Foi a 16 de outubro, na apresentação do livro Introdução ao Liberalismo, de Miguel Morgado, em Lisboa, que Passos Coelho comentou os dados recentes divulgados pela AIMA, que indicam que o número de cidadãos estrangeiros a residir em Portugal quadruplicou em sete anos, com cerca de 1,5 milhões registados no final de 2024.

«E, se tudo se mantiver como está, com o reagrupamento familiar e por aí fora, qualquer dia também acontecerá cá aquilo que acontece noutras sociedades, em que as pessoas, os nacionais, se sentem estrangeiras na sua própria terra», afirmou Passos Coelho, o que mereceu todo o tipo de comentários, incluindo acusações de discurso ‘xenófobo’ e ‘alarmista’, numa colagem sem pudor à direita radical. Do Governo, o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, presente na apresentação da obra de Morgado, rejeitou a associação entre imigração e criminalidade, à qual Passos aludiu de passagem.

Hoje em dia, dizer que o país sofreu uma viragem sociológica à direita é um facto evidente e lugar-comum. Esta mudança favorece André Ventura, mas também Pedro Passos Coelho, caso ele queira regressar ao ‘debate público e político’ e até mais além.

Nas eleições autárquicas de 2025, na Amadora, Manuel Luís Goucha referiu-se a Passos Coelho como ‘o desejado’, e os jovens em Beja, onde venceu a coligação ‘Beja Consegue’ – PSD, CDS-PP e Iniciativa Liberal — veem no antigo líder social-democrata um símbolo de um novo ciclo de liderança.

Passos quer voltar; é evidente para todos e confirmado pelos seus próximos. Uma personalidade que trabalhou durante mais de uma década com ele revelou ao Nascer do SOL que o ex-primeiro-ministro «quer regressar à vida política» porque «considera que tem uma palavra a dizer sobre o que vai acontecer nos próximos anos». Apesar disso, admite que provavelmente as presidenciais não serão o palco preferencial de Passos Coelho, que também assegura a quem lhe pergunta que Marques Mendes sabe que nunca terá o seu apoio.

As razões são conhecidas e remontam a fevereiro de 2014, no Congresso do PSD em Lisboa. O então líder do partido apresentou uma moção para definir as características que um candidato presidencial deveria ter, usando a expressão «um catavento de opiniões erráticas» para descrever o que este não deveria ser.

Na altura, a comunicação social associou esse ‘catavento’ a Marcelo Rebelo de Sousa, mas, confidenciaram-nos, Passos referia-se também a Luís Marques Mendes, alguém pouco fiável que vivia dos favores da comunicação social, a quem também fazia favores, como passar conteúdos das reuniões do Conselho de Estado.

Marques Mendes representa muito do que Passos detesta num político, e claramente não possui as qualidades que, na sua visão, deve ter um Presidente da República. Contudo, outra personalidade igualmente próxima de Passos revelou que o antigo líder «nasceu no PSD e morrerá no PSD» e nunca apoiaria outro candidato que não fosse o do partido.

Ainda assim, continuamos a tentar perceber o que vai na cabeça de Passos, mas não estamos dentro dela.

António José Seguro representa mais o modelo que Passos tem para o cargo presidencial; um presidente menos dado a crises e ‘opiniões erráticas’, que não governa mas deixa governar, com poderes moderadores e de fiscalização, que atua como árbitro, garante a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas. No entanto, é improvável que Passos apoie um candidato que fuja da esquerda como o diabo da cruz na campanha presidencial, mas que só se pode eleger com votos da esquerda.

Deixando à parte Marques Mendes e Seguro, sobra Cotrim, embora nos tenham confidenciado que Cotrim é «demasiado pequeno» para merecer apoio de Passos, que não vê a Presidência como espaço para uma tribuna ideológica. Dos candidatos que podem passar, com Ventura, à segunda volta, Gouveia e Melo é o mais afastado de Passos.

«A melhor ajuda que Passos deu a Marques Mendes foi não se ter candidatado», disse-nos um membro do PSD próximo do ex-primeiro-ministro, assegurando que Passos não se vai envolver nas presidenciais, ao contrário do que fez nas autárquicas, apoiando Marco Almeida em Sintra – que foi eleito – ou Suzana Garcia na Amadora, que alcançou o seu melhor resultado.

E se André Ventura apelou ao fantasma de Salazar e o clonou em três, aproveitando a perceção ou o mito histórico de que Salazar morreu pobre, era honesto e nunca compactou com a corrupção, certamente porque nunca ouviu a frase: «Salazar não roubava, mas deixava roubar», ou não conhece as ligações íntimas e quase perigosas do incorrupto ditador com Ricardo Espírito Santo, o avô materno do outro Ricardo que corrompeu Sócrates e o sistema até à medula, também é certo que, quando se trata de Passos Coelho, só há espaço para o elogio.

À sua maneira, André Ventura reconhece o que Passos representa para a direita e como isso o ameaça. O tempo correu a favor do antigo primeiro-ministro: da austeridade na troika ao rigor e contas certas foi um instante, e o património político de Passos – de coerência, constância, ponderação e virtude no combate à corrupção — é comparável à mitologia salazarista, mas agora em democracia.