1. A aprovação do Orçamento do Estado deveria marcar o início de um caminho responsável para Portugal. O que vemos é exatamente o contrário. Com alertas claros de instituições nacionais e internacionais sobre os riscos que se avizinham, este Governo insiste num rumo perigoso para a economia, baseado em ilusões, artifícios e falta de rigor.
O Orçamento apresentado não é apenas frágil – é opaco. Os cortes na saúde no Orçamento do Estado, que o ministro das Finanças justificou como a reversão de medidas temporárias, é desmentida no dia seguinte com a confirmação de que há uma ordem de corte aos hospitais, mesmo à custa da prestação de cuidados denunciam uma prática política que esconde ao país as consequências reais das escolhas governamentais. A isto somam-se as várias correções que o Ministro das Finanças fez ao saldo da Segurança Social após a entrega do orçamento do estado, na Assembleia da República, mostrando uma gestão que prefere remendos à verdade. Eis o regresso da velha escola: retificativos antes da votação, uma tradição que o PSD parece nunca abandonar.
2. Se a ilusão económica já é um problema, mais grave é a escolha deliberada de um inimigo político: os imigrantes. Aqueles que ontem garantiam o futuro demográfico e económico do país, são hoje alvo fácil de uma agenda que fala diretamente aos instintos mais indignos do populismo. O Governo celebra mudanças na lei de estrangeiros e na lei da nacionalidade como se estivesse a salvar o país de uma ameaça inexistente.
Perguntemo-nos: que urgência havia em alterar a lei da nacionalidade? Nenhuma evidente. Nenhum dado, nenhum estudo, nenhuma urgência social. Apenas uma cedência à agenda populista, que procura fabricar a perceção de descontrolo para legitimar políticas restritivas. São 2,16% os pedidos de nacionalidade feitos por residentes estrangeiros.
E quando não há dados que sustentem essa ficção, inventam-se. O relatório da AIMA sobre a imigração em Portugal, com números que sugerem, por exemplo, que 40% dos residentes no concelho de Lisboa seriam estrangeiros, é um insulto à inteligência de qualquer cidadão minimamente informado. Não se trata de falhas, trata-se de manipulação política. Estatística ao serviço do preconceito. Quem pode acreditar que o concelho de Lisboa tenha 40% de residentes estrangeiros? Não se trata de erro: trata-se de estratégia.
Este é o Governo que prefere o atalho do medo ao caminho da responsabilidade. Em vez de enfrentar os desafios da economia investe na ocultação de números. Em vez de governar alimenta perceções, procura de transformar um Portugal aberto e moderno num país desconfiado e dividido.
Este Governo tomou posse com promessas de rigor e ambição. Hoje revela-se um exercício de irresponsabilidade política e de perigosa engenharia da perceção. Se dúvidas houvesse, a inenarrável e encenada comunicação ao país feita pelo primeiro-ministro, logo a seguir à aprovação da lei da nacionalidade e do Orçamento de Estado traduziu-se em mais um exercício de demagogia, assente na premissa de um suposto caos e invasão, tudo acompanhado por uma assumida instrumentalização da bandeira nacional. A política da perceção pode servir quem governa mas não serve Portugal. E em política não pode, nem deve, valer tudo.
Portugal merece melhor. Merece governantes que enfrentem os problemas e encontrem soluções para os resolver. Precisa de rigor e de coragem política. Precisa de líderes, não de ilusionistas.
Eurodeputada e Vice-Presidente do Grupo S&D