São muitas as pessoas que jogam semanalmente no Euromilhões. E, se as vendas já são elevadas numa semana normal, quando o prémio é maior disparam, como se meia centena de milhões não fosse suficiente, mas o dobro já pudesse fazer diferença.
Este jogo chegou a Portugal há 21 anos e, desde então, o primeiro prémio saiu cerca de 79 vezes, um número que parece elevado, mas que, quando comparado com o total de apostas, reduz-se a praticamente zero.
Quantas vezes ouvimos juntamente com um suspiro: «Nunca mais me sai o Euromilhões…» ou «Se me saísse o Euromilhões…» E todas as semanas a aposta refaz-se, sempre com uma esperança que renasce.
O Euromilhões veio ocupar o lugar dos milagres, é uma magia estatisticamente quase impossível, onde as casas decimais se misturam com o desejo e deixam espaço para a esperança.
A quantidade de pessoas que apostam semanalmente neste jogo dá conta de uma vontade generalizada de mudar de vida e de uma certa insatisfação. Cada aposta transporta um desejo, um plano, um sonho que procura romper a sensação de desânimo que as rotinas carregam, que cansam e saturam, os empregos que ocupam os dias, que são mal remunerados e que consomem a vida.
E, simultaneamente, a expectativa de se ser livre e feliz, que conduz a um sonho acordado, a um prazer emocional momentâneo, um pequeno conforto e uma réstia de esperança. Que, inevitavelmente, se pode transformar numa dependência, levando a desvalorizar o que se tem para apostar na idealização.
Como se receber uma soma avultadíssima de dinheiro fosse a solução para todas as dificuldades e insatisfações da vida. Como se fosse possível viver suspenso na expectativa de um milagre – cuja probabilidade de acontecer não deve ser muito diferente – acreditando que o dinheiro trará a solução para todos os problemas. Uma crença que pode acabar por desvalorizar o que temos de mais importante.
É como se não tivéssemos a capacidade de encontrar pequenas soluções para a nossa própria vida, para a renovar e alimentar, assumindo um papel ativo na mudança. Acabamos, então, por delegar a nossa felicidade, colocando a nossa sorte nos quadradinhos do Euromilhões, vivendo, entretanto, na expectativa de que ele nos salve e transforme.
A vida faz-se a cada dia, a cada fim-de-semana diferente, de cada vez que se arrisca e se aprende ou ensina qualquer coisa. A vida faz-se de sonhos possíveis – mais ou menos difíceis de concretizar – e do nosso esforço para os construir e alcançar. Com empenho, coragem e ambição.
O mais importante não está à venda. Não vamos encontrar a felicidade em lojas nem comprá-la com milhões. Está no que cada vez faz mais falta: nas relações, nas vivências, nos sonhos, na ambição de ser feliz, nas longas conversas, na partilha, na sensibilidade, no pensamento, na capacidade transformadora, nos outros, no encontro. Nas pequenas e grandes coisas da vida. Nalgumas que não vemos porque estamos demasiado apressados, porque não estamos atentos ou motivados, noutras que não deixamos entrar, e ainda naquelas que não temos coragem de procurar. Está na ousadia, nas mudanças e também naquilo que não muda, que é confortável e aconchegante. Está em sentir e aproveitar todos os instantes, porque a vida não pára e não espera pela altura perfeita.
Muitos de nós já ganhámos o Euromilhões, só ainda não demos por isso nem sabemos como usar o prémio.