Amianto: a eternidade envenenada

A história do amianto é apenas um capítulo da nossa própria história – a de um progresso que ilumina e queima. Continuamos, como sempre, a brincar com o fogo.

Duas décadas após a proibição do amianto em Portugal, o país continua a viver com o legado de um material que o tempo não apaga. Relatórios recentes mostram que muitos edifícios públicos ainda o conservam nas suas estruturas. Apesar dos programas de remoção, várias autarquias admitem atrasos e falhas na inventariação. Em 2024, foi publicada a primeira norma portuguesa para a identificação e gestão de componentes com amianto – sinal de que o problema começa a ser tratado com maior rigor. Ainda assim, casos como os detritos no Passeio Marítimo de Algés ou escolas que, só agora, substituem as antigas coberturas de fibrocimento – a mal-afamada Lusalite, fabricada em Oeiras – mostram que a herança de um passado em que o amianto simbolizou progresso continua a ameaçar a saúde pública.

Também conhecido como asbesto, corresponde a um conjunto de minerais de silicato de magnésio e ferro, formados por filamentos muito finos e resistentes ao calor e à corrosão, que ocorrem em rochas profundas da crosta terrestre, transformadas pelo calor e pela pressão. A exposição prolongada a estas fibras pode causar doenças graves: cancro do pulmão, mesotelioma – cancro raro e agressivo que atinge a membrana dos pulmões – e asbestose, uma pneumoconiose provocada pela acumulação de fibras que causa fibrose e dificuldades respiratórias.

Ao longo de milénios, moveu-se entre a matéria e o mito. Na Antiguidade, autores como Estrabão e Plínio, o Velho, descreveram o seu uso em pavios de lamparinas, que ardiam sem se consumir, e em tecidos funerários – por ser constituído por fibras, pode ser fiado e tecido –, cuja resistência ao fogo permitia separar as cinzas humanas das da fogueira. Plínio chamou-lhe ‘linho vivo’, tão precioso que apenas reis e sacerdotes o possuíam. Séculos depois, Isidoro de Sevilha retomaria o tema nas suas Etimologias, designando-o por ‘lã de pedra’, expressão que se popularizaria na Idade Média. As lendas multiplicaram-se: dizia-se que Carlos Magno possuía uma toalha de amianto que lançava às chamas sem a danificar. Outros acreditavam que as fibras provinham do pelo de ratos vulcânicos ou da lã de salamandras que viviam no fogo. No século XIII, Marco Polo desfez o mito, explicando que o ‘pano de salamandra’ era, afinal, mineral. Contudo, no século XVIII, o naturalista suíço Charles Bonnet ainda via o amianto como o elo perdido entre o mundo mineral e o vivo, desafiando as fronteiras da Natureza. A própria terminologia antiga reflete o fascínio que gerava: em grego, amiantos significa ‘imaculado’ e asbestos, ‘inextinguível’.

Hoje sabe-se, por exemplo, que, no Norte da Europa, há mais de quatro mil anos, era adicionado à argila usada em cerâmica, para lhe conferir maior resistência, como revelam vasos finlandeses de cerca de 2500 a.C. No mosteiro bizantino de São Neófito, em Chipre, datado do século XII, foi também identificado o seu uso em pinturas murais, destinado a reforçar o brilho e a durabilidade.

No século XX, renasceu como ‘fibra milagrosa’ da era industrial: leve, isolante, durável e barata, parecia ser o material resistente que o progresso exigia. Foi largamente usado na construção civil, em produtos industriais, em roupas de proteção e até em cortinas de teatro – um triunfo técnico que escondeu, por muito tempo, o seu preço oculto. Os primeiros alertas surgiram no final do século XIX, quando se começou a associar a exposição prolongada ao pó de amianto a doenças pulmonares. Apesar disso, a extração mineira continuou a crescer, atingindo o auge nas décadas de 1960 e 1970. Só então, com o avanço dos estudos médicos, se reconheceram plenamente as consequências – doenças que, muitas vezes, só se manifestam décadas depois.

A Organização Mundial de Saúde, que o classificou como cancerígeno, estima que cerca de 125 milhões de pessoas em todo o mundo continuem expostas e que mais de 100 mil morram todos os anos de doenças associadas. Proibido em dezenas de países, continua, porém, a ser utilizado noutros, sobretudo em economias em desenvolvimento. A extração mineira mantém-se activa: só a Rússia, principal produtora mundial, extraiu cerca de 790 mil toneladas em 2020.

A história do amianto é apenas um capítulo da nossa própria história – a de um progresso que ilumina e queima. Continuamos, como sempre, a brincar com o fogo.

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