Há uns meses, um anúncio a uma marca americana de jeans causou uma enorme comoção à esquerda (a do costume). O pecado capital? Primeiro, ousou recorrer a uma mulher bonita, Sydney Sweeney. Segundo, porque fez um trocadilho fonético entre ‘great genes’ e ‘great jeans’.
A esquerda identitária das micro-agressões fez o julgamento sumário: estávamos perante mais um caso de racismo e, quiçá, de nazismo. A referência aos bons genes remetia, pois claro, para a supremacia branca. E sendo Sweeney uma loira de olhos azuis trata-se evidentemente de uma mensagem eugénica, ao bom estilo alemão dos anos 30 – só queremos genes de loiros de olhos azuis.
Parece estranho, mas estamos a falar de um anúncio a umas calças de ganga. Não ocorreu aos neoinquisidores que a referência aos genes fosse uma referência às curvas da modelo – curvas essas que existem (para mal dos nossos pecados) em todas as etnias e tons de pele. Mas o ponto da crónica não é esse.
Por detrás deste anúncio parece estar uma mudança maior. «Tudo é política», dizia Thomas Mann. O mesmo Mann que, anos antes, defendia a separação sã entre arte/cultura e política. Entretanto, a cultura tornou-se política.
Temos de recuar a Marx para perceber a origem desta fusão. A base das relações sociais, segundo Marx, é económica e social, entre quem detém e não detém os meios de produção. Desta base surge depois uma supraestrutura que dita as formas de consciência e de produção intelectual – política, moral, artística, religiosa e, em suma, cultural.
«As ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes». Ou seja, a burguesia impunha a sua visão do mundo ao mundo. A arte, a literatura, a moda, a arquitetura – tudo o que se apresenta como ‘bom gosto’, ‘a beleza’ ou ‘a verdade’ não eram mais do que instrumentos de legitimação e dominação da burguesia.
Já Adorno associa a estética clássica à mercantilização da arte. Ei-lo: o belo, uma imposição do capitalismo, um mecanismo de dominação. Marcuse não disse muito diferente: é necessário libertar os corpos da repressão estética burguesa.
O bonito e o feio são, então, meras construções sociais da classe dominante. Pierre Bourdieu, em La Distinction, vai mais longe e diz que definem condições sociais: o gosto, o belo, o bonito e o feio, tudo isto são marcadores de classe. A beleza não é universal, nunca poderá ser; é socialmente construída para distinguir elites.
Eis-nos. O urinol de Duchamp – a sobreposição do choque e da provocação ao talento. O quadro branco de Rauschenberg – a vitória da arte sem âmago, a beleza ausente e o momento em que a arte não é arte, é acontecimento. Três telas de nada sobre o nada. Leo Strauss tinha razão: esta é uma sociedade que, em nome da tolerância e da igualdade, já não acredita em nada – e por isso é incapaz de defender o que é verdadeiro, bom ou belo.
Aqui chegados, Marx enganou-se: a classe dominante não impôs isto. Foram as novas ordens do clero progressista, os sacerdotes do relativismo, que aniquilaram o belo. Do cansativo ‘os gostos não se discutem’ à ‘função em vez da forma’, este relativismo contaminou tudo: a cultura, a arquitetura, a moda e até a moral.
Sobreviveu a isto uma alma intrépida e cética, anquilosada, mas viva: o senso comum. O senso comum das pessoas comuns que nunca deixaram de ver o bonito em contraposição ao feio. Desconfiavam instintivamente de tudo isto.
Depois de décadas de relativismo e desconstrução, talvez o senso comum, e o belo com ele, esteja de volta. O ser humano precisa de forma, de proporção, de sentido – precisa de olhar para algo e achar que é bom, sem precisar de um ensaio para o justificar. Talvez este anúncio seja um sintoma disso mesmo: o senso comum está de volta, para desaire de algumas elites (é relativo) intelectuais (é relativo).