Reforma laboral: a máscara caiu

Não deixa de ser caricato que o governo da AD, supostamente defensor das famílias consubstancie, agora, um dos maiores ataques algumas vez feitos aos interesses de milhões de agregados familiares, representando uma contradição indecorosa com o que prometia no seu programa eleitoral!

1. Há dez anos, Portugal assistia à formação de um governo inédito, apoiado por uma maioria parlamentar construída à esquerda. Pela primeira vez, o Partido Socialista governava com o apoio do PCP, do Bloco de Esquerda e do Partido Ecologista Os Verdes. Muitos vaticinaram o caos, outros previram a ingovernabilidade. Mas a realidade mostrou o contrário: com a geringonça, o país não só estabilizou como prosperou.

Esse governo prometeu virar a página da austeridade e virou. Prometeu criar emprego e criou mais de um milhão de postos de trabalho. Prometeu devolver rendimentos, e devolveu. Prometeu crescer acima da média da UE, e cumpriu. Manteve as contas certas, reforçou o Estado Social e aumentou salários e qualificações. Cada promessa cumprida traduziu-se em vidas melhores, em famílias com mais segurança, em jovens com futuro. Portugal mudou, e mudou para melhor.

2. Hoje, uma década depois, surge um governo de direita que parece disposto a inverter esse caminho, alicerçado numa suposta «valorização e modernização do mercado trabalho». Quando a direita utiliza estes termos, já sabemos ao que vem: fragilizar o trabalhador, reduzir direitos e abrir espaço à arbitrariedade patronal. A recente proposta de reforma da legislação laboral – totalmente omissa do programa eleitoral da AD – é espelho dessa agenda, representando um retrocesso profundo.

Senão vejamos: eliminar formalidades no despedimento por justa causa é facilitar o abuso. Permitir outsourcing sem limites após despedimentos coletivos é institucionalizar a precariedade. Acabar com direitos como o teletrabalho, ou a dispensa de trabalho noturno e ao fim de semana para quem tem filhos ou dependentes, é um ataque direto à conciliação entre a vida profissional e familiar, colocando em causa uma conquista civilizacional que levou anos a alcançar. Não deixa de ser caricato que o governo da AD, supostamente defensor das famílias consubstancie, agora, um dos maiores ataques algumas vez feitos aos interesses de milhões de agregados familiares, representando uma contradição indecorosa com o que prometia no seu programa eleitoral!

A alteração aos contratos a prazo é outro escândalo: voltar a permitir que empresas contratem eternamente sem integrar trabalhadores é precarizar por decreto. E o ‘banco de horas’, usado como instrumento de gestão de custos, traduz-se em menos salário e menos descanso.

Depois da Agenda para o Trabalho Digno, aprovada por um governo do PS, que valorizou carreiras, aumentou salários e promoveu estabilidade, esta reforma é um insulto àqueles que mais contribuem para a economia: os trabalhadores e as suas famílias. Esta é mais uma prova de que este governo prefere recuar em direitos em vez de construir progresso.

Também preocupante é o desprezo demonstrado pelo diálogo social. As acusações feitas às centrais sindicais, insinuando manipulação política, são graves e inaceitáveis. Quando um governo prefere atacar quem representa os trabalhadores a escutar as suas razões, revela fraqueza, não força.

Depois de andar entretido a alimentar a demagogia da extrema-direita e uma agenda de perceções, parece que a máscara do Governo Montenegro caiu de vez. Um governo que se torna forte apenas com os mais fracos é um poder pequeno. Ontem foram os imigrantes, hoje são os trabalhadores. Portugal precisa de liderança, coragem e visão: qualidades que, neste momento, parecem tristemente ausentes.

Eurodeputada e Vice-Presidente do Grupo S&D