Carga fiscal: «Pressão elevada, a mais alta na história de Portugal»

Economistas ouvidos pelo Nascer do SOL dizem que a queda das receitas de impostos está relacionada com facto de o PIB nominal ter crescido mais rapidamente do que a receita fiscal, diminuindo o peso dos impostos no total da economia, mas ‘não significa que o Estado português esteja a cobrar menos impostos’.

As receitas obtidas pelo Estado português com a cobrança de impostos em 2024 corresponderam a 35,1% da riqueza produzida no país nesse ano, verificando-se um recuo no peso dos impostos no PIB pelo segundo ano consecutivo, indica a OCDE. Trata-se de uma redução de 0,2 pontos percentuais face ao ano anterior. João César das Neves afasta um cenário de queda da carga fiscal, afirmando que a «pressão é mesmo elevada, a mais alta na história de Portugal em percentagem do PIB».

E admite que a tendência é para se manter: «Segundo o Orçamento de Estado para 2026, a perspetiva é que esta situação de estabilidade a um nível alto se mantenha, apesar de toda a retórica, que aliás tem sido intensa nesta década apesar de a realidade ser de estabilidade nos impostos muito altos», diz ao Nascer do SOL.

O economista recorda ainda que, desde há dez anos que o total das receitas fiscais (impostos e contribuições) se mantém estável, flutuando entre 35% e 37% do PIB. «Não existe uma tendência de subida ou descida, mas mera instabilidade à volta de um nível fixo. Essas pequenas alterações devem-se à evolução da economia e às alterações das taxas», salienta.

Também Paulo Monteiro Rosa, economista do banco Carregosa, lembra que o rácio da OCDE desceu de 35,8% em 2023 para 35,1% em 2024 por «o PIB nominal ter crescido mais rapidamente do que a receita fiscal, diminuindo o peso dos impostos no total da economia nominal», acrescentando também que, «além disso, IRS e IRC abrandaram em 2024 e a parte das contribuições sociais que a OCDE considera como imposto cresceu pouco, reduzindo o numerador do rácio. No conjunto, a economia cresceu mais depressa do que a receita fiscal ajustada às regras da OCDE, culminando numa queda de 0,7 pontos percentuais».

Mas deixa um alerta: «Essa queda do rácio medido pela OCDE não significa que o Estado português esteja a cobrar menos impostos, mas sim que a receita cresceu menos do que o PIB nominal. Ou seja, o rácio impostos/PIB desceu (35,8% para 35,1%), mas o montante médio pago em impostos aumentou. Aliás, a maior parte dos impostos aumentou em termos absolutos», diz ao nosso jornal.

Carga fiscal continua elevada

Aliás, de acordo com Paulo Monteiro, «a estrutura da carga fiscal continua elevada, pressionado o rendimento das famílias, tais como o peso elevado de vários impostos indiretos, sobretudo o IVA, dos mais elevados da União Europeia, e do ISP), bem como as contribuições sobre o trabalho, que incidem diretamente sobre o consumo e o rendimento líquido», acrescentando que «a descida do rácio, até relativamente ligeira de 0,7 pontos percentuais, também resulta de medidas que reduzem receita em segmentos específicos (benefícios fiscais, ajustes no IRC, apoios a empresas, isenções pontuais), que nem sempre se traduzem num alívio claro para a maioria dos contribuintes».

E lembra que, a descida ocorre depois de anos de forte aumento da carga fiscal em percentagem do PIB e de vários anos de inflação acabou por beneficiar as contas públicas, mas empurraram os rendimentos dos portugueses para escalões mais elevados (“fiscal drag”). «Mesmo com alguma correção nos escalões do IRS, o efeito acumulado não retirou qualquer pressão, bem pelo contrário, os portugueses continuam a sentir uma carga fiscal elevada, apesar da pequena redução do rácio agregado reportado pela OCDE, entre 2023 e 2024», salienta.

Em relação a este ano e para o próximo, Paulo Monteiro Rosa chama a atenção para o facto de o Orçamento do Estado prever um aumento da receita fiscal e contributiva, «o que mantém a carga fiscal em níveis elevados».

Mas vamos a números. A receita total deverá aumentar de 112,2 mil milhões de euros em 2025 para 117,4 mil milhões em 2026, um acréscimo de 5,2 mil milhões, ou seja, um acréscimo de 4,6%. No entanto, a carga fiscal medida pelo OE2026 deverá diminuir de 36,7% (112,2 mil milhões face PIB nominal de 305 mil milhões) para 36,6%. A receita fiscal sobe para 77,3 mil milhões e as contribuições sociais avançam para 40,2 mil milhões, sendo estas últimas o principal motor de crescimento. «Como o PIB nominal cresce apenas 4,8% em 2026, este comportamento da receita impede qualquer redução significativa do rácio impostos/PIB. Assim, a pressão fiscal sobre famílias e empresas desde apenas 0,1 pontos», acrescenta.

Economia do ano

Estes dados foram revelados, numa altura, em que Portugal foi distinguido pela revista britânica The Economist como a ‘Economia do Ano’ em 2025, liderando o ranking anual que avalia o desempenho económico dos 36 países mais ricos do mundo, tendo como base cinco indicadores: inflação, desvio da inflação, PIB, emprego e desempenho da bolsa de valores.  

Segundo a publicação, Portugal conseguiu no ano passado, «combinar um forte crescimento do PIB, baixa inflação e um mercado de ações em alta» e entre os fatores que impulsionaram o desempenho económico, destaca o dinamismo do turismo e a crescente atração de residentes estrangeiros, num contexto de competitividade fiscal.

Ao nosso jornal, César das Neves recorda que, no ano passado, ganhou a Espanha, mas coube este ano a Portugal arrecadar o prémio. «Isto apenas significa que a nossa conjuntura está bem, num momento em que a dos nossos parceiros está menos bem. Parte da explicação tem certamente a ver com as receitas do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] que, bem ou mal utilizadas, representam dinheiro a entrar no país. Mas uma conjuntura favorável não altera o quadro geral da economia, que continua a ter os problemas que todos conhecemos», conclui.

Recorde-se que no ranking deste ano, Portugal sucede a Espanha, vencedora de 2024, que desce agora para o quarto lugar. Irlanda e Israel ocupam a segunda e terceira posições, respetivamente. No extremo oposto, as economias da Estónia, Finlândia e Eslováquia surgem entre as mais penalizadas no conjunto dos indicadores avaliados.

Numa publicação na rede X, Luís Montenegro, sublinhou que esta distinção é «uma justa aclamação do mérito e do trabalho dos portugueses» e reforça «a motivação do Governo em seguir o rumo que nos trouxe até aqui nos últimos meses».

De acordo com o primeiro-ministro «é a reformar com coragem e a tornar o país mais competitivo e produtivo que vamos continuar a criar emprego, a aumentar os salários e a reforçar o Estado social».

As previsões do Governo apontam para um crescimento da economia portuguesa de 2% em 2025 e 2,3% em 2026.