Mais de mil homicídios cometidos por soldados russos após rotações na guerra na Ucrânia já chegaram aos tribunais

As famílias das vítimas têm denunciado que os acusados conseguem reduções significativas de pena, justificando os crimes com alegadas declarações “antipatrióticas” das vítimas

Os tribunais russos julgaram mais de 1.000 homicídios cometidos por combatentes russos após o regresso da frente de batalha na Ucrânia, avançou esta terça-feira o portal independente Mediazona, que tem acompanhado de perto os efeitos internos da guerra desencadeada pelo Kremlin em 2022.

Segundo aquela plataforma, os tribunais militares russos receberam 1.045 processos relativos a homicídios perpetrados por militares fora da zona de combate, ocorridos sobretudo durante períodos de rotação, licenças ou baixas médicas por ferimentos.

As famílias das vítimas têm denunciado que os acusados conseguem reduções significativas de pena, justificando os crimes com alegadas declarações “antipatrióticas” das vítimas. Segundo o Mediazona, estes relatos baseiam-se apenas na versão dos próprios militares.

Um desses casos é o de Mikhail Otroshko, antigo agente policial, cujo irmão foi assassinado por um soldado regressado da frente. Para Otroshko, estes julgamentos “são regidos por leis completamente diferentes”, criticando o comportamento de militares, procuradores e juízes: “Não sei quem os contrata, quem os nomeia investigadores superiores e de alto escalão”, lamentou.

Casos graves ficam fora das estatísticas oficiais

O levantamento divulgado exclui processos conduzidos por tribunais civis — aplicáveis quando o arguido perde o estatuto militar antes do crime — o que significa que o número real de homicídios pode ser substancialmente superior.

Entre os casos referidos estão crimes de grande gravidade, como os cometidos por:

  • Grigori Starikov, que matou três pessoas;
  • Igor Sofonov, responsável por seis homicídios numa aldeia da Carélia;
  • Vladimir Alexandrov, que violou e assassinou uma criança de 11 anos em Yekaterimburgo.

Arguidos “desaparecem” dos registos judiciais

De acordo com o Mediazona, muitos processos acabam arquivados porque as autoridades declaram não conseguir localizar os suspeitos. Em vários casos, os militares regressaram à frente de combate ou morreram entretanto.

Outros processos são simplesmente eliminados dos registos quando o acusado aceita voltar ao combate na Ucrânia — seja durante o julgamento ou já depois de condenação. Nesses casos, até indemnizações previamente decretadas são suspensas, já que o pagamento cessa quando o arguido é enviado para a linha da frente.

A investigação descreve ainda dez casos concretos, nos quais nove militares escaparam à condenação ao regressarem ao combate. Em todos os processos analisados, os soldados encontravam-se embriagados no momento dos homicídios, uma circunstância que, embora prevista como agravante na lei russa, não teve impacto na decisão judicial.