Presidenciais. Ações, contradições e um mandatário que quer mudar o hino

O mandatário nacional da candidatura de Cotrim Figueiredo prefacia um livro biográfico muito elogioso de Gouveia e Melo apresentado na semana passada.

Henrique Gouveia e Melo é muito mais em livro, e o último tem prefácio de José Miguel Júdice (JMJ), o mandatário nacional de João Cotrim de Figueiredo. «O senhor almirante não tem defeitos, é um homem espectacular», pode ler-se no mais recente livro sobre Henrique Gouveia e Melo, com o subtítulo O Homem e o Futuro de Portugal, escrito por Isabel de Santiago, que tem prefácio de José Miguel Júdice.

E antes que lhe pareça absurdo, Júdice escreve: «A surpresa é simples de detalhar: a autora e o biografado (que respeito e admiro) sabem que não sou apoiante do candidato na primeira volta (na segunda depende de quem for o outro candidato…) e esta biografia é assumidamente um elemento relevante de uma compreensível e normal estratégia eleitoral de Gouveia e Melo, de quem Isabel Santiago é apoiante e admiradora. Convidar-me foi, pois, um risco calculado e também um ato de liberdade; e confesso que sou sempre sensível (alguns dirão que demasiado…) à atrativa beleza da liberdade».

O candidato presidencial, com forte possibilidade de chegar ao Palácio de Belém, é retratada neste livro – o quarto este ano – como em nenhum outro, porque este é assumidamente «um retrato intimista e empático», ou, como diz José Miguel Júdice, «um panegírico, uma hagiografia» do Almirante, coisa que o jurista não acha mal, especialmente num tempo em que a banalidade é dizer mal.

«Descrever Henrique Eduardo – para mim – ou o Almirante Gouveia e Melo – para a maioria –, hoje candidato a chefe de Estado da República Portuguesa, é o resultado de uma análise atenta, de uma leitura pessoal que fui construindo ao longo do tempo», escreve a autora, que ouviu dezenas de testemunhos e tem proximidade com o candidato.

Mas voltemos ao prefaciador. Na semana em que se assinala a morte de Francisco Sá Carneiro, surge outra história contada no prefácio: «Na pré-campanha eleitoral das legislativas de 1979 (que a AD ganhou com maioria absoluta), o líder socialista Mário Soares convidou-me e a outros quatro jornalistas e analistas políticos para uma conversa com ele, para ser publicada em livro» (publicada em 1979, com o título O Futuro será o Socialismo Democrático). Sá Carneiro ficou surpreendido, «de modo aliás simpático», e mais uma vez JMM disse algo que tem a ver com a sua «irredutível liberdade e o forte estímulo para responder a desafios».

Em conversa com o Nascer do SOL, Júdice, numa altura em que o número de indecisos parece aumentar e em que na «primeira volta se vota porque sim e na segunda porque não», considera que estes textos hagiográficos são de toda a utilidade para se conhecerem os candidatos.

Temos, então, que todos os candidatos presidenciais – pelo menos os cinco da linha da frente — têm obras biográficas ou autobiográficas, como Cotrim de Figueiredo, para se darem a conhecer ao eleitorado. Entretanto, sabemos que na próxima semana será a vez de Luís Marques Mendes publicar um livro em forma de entrevista com Luís Rosa, que será apresentado por José Manuel Durão Barroso.

JMJ é mandatário nacional de Cotrim de Figueiredo e, em agosto, decidiu que seria esse o candidato que apoiaria caso se candidatasse. No final de outubro, Cotrim diz que mais do que apoio, conta com Júdice como mandatário. Por essa altura, Júdice disse que, se Cotrim não tivesse concorrido, muito provavelmente apoiaria Seguro; entretanto, em setembro, escreveu o prefácio do livro de Gouveia e Melo.

Perguntamos a JMJ em que circunstância votaria no almirante. Foi esclarecedor: só se concorresse contra Ventura na segunda volta. Perguntamos ainda entre Marques Mendes e o almirante: Júdice escolheria Marques Mendes, embora admita que tanto um como outro têm perfil inadequado para a Presidência da República, acha Gouveia e Melo particularmente colérico para o cargo.

Costuma dizer-se que ‘ninguém conhece melhor Deus do que um ateu’; parece ser este o caso. Júdice procurou conhecer o candidato presidencial Gouveia e Melo para fortalecer a sua convicção de que dificilmente votará nele. Ainda assim, «quem esteja apenas interessado em razões para não votar em Gouveia e Melo não é ao livro de Isabel Santiago que deve aceder»: ali encontramos momentos como o do cabo António Silva – «o senhor Almirante não tem defeitos, é um homem espetacular».

E Júdice termina o prefácio com «Ousar apresentar-se enroupado numa visão maniqueísta, diz muito mais sobre o nosso tempo do que sobre o candidato. No início de 2026, se verá se a opção revela uma aprimorada intuição sobre o sentido da psicologia coletiva ou pelo contrário é o sinal final de um erro de ‘casting’».

Mendes e o polémico  mandatário cultural

Dino D’Santiago foi anunciado, também esta semana, por Luís Marques Mendes como mandatário da Cultura, Diversidade e Inclusão da candidatura presidencial. Depois de ter citado a pobreza e o que sobre ela tem escrito Carlos Farinha Rodrigues no debate com Seguro, sai-se com a convicção de que as presidenciais entram em modo «todos contra Ventura», porque os campos ideológicos entraram em modo vale tudo.

Dino D’Santiago, cantor e compositor luso-cabo-verdiano natural de Quarteira, aceitou o convite «com humildade e convicção», partilhado num vídeo nas redes sociais onde aparece ao lado do pai em videochamada com Mendes. A escolha destaca o contributo de D’Santiago para a música em língua portuguesa, a promoção do diálogo cultural lusófono e o combate à discriminação. Marques Mendes entrou em modo pisca-pisca… sendo que nunca se sabe para que lado vai virar. Quem não gostou deste piscar de olhos à esquerda – e da escolha de D’Santiago – foi a direita mais radical, que logo saiu a terreiro mediático para lembrar que o cantor e compositor, escolhido por António Costa para as celebrações do 25 de Abril, despreza o hino nacional português, considerado «belicista e esclavagista», defende a «criolização» do país e posições de esquerda contra a extrema-direita. Marques Mendes terá talento para explicar esta contradição, provavelmente também por evocar «a atrativa beleza da liberdade». Seja como for, a família de D’Santiago vota no candidato da AD.