Venda de resíduos evita privatizar água

Ajudar a evitar a privatização das águas em Portugal. Este será um dos objectivos da polémica alienação do capital da Empresa Geral do Fomento (EGF), do grupo Águas de Portugal (AdP), que representa o Estado em 11 sistemas multimunicipais de gestão de resíduos.

Embora explique que “as reestruturações em curso dos sectores do tratamento de resíduos e do abastecimento e saneamento de água devem ser vistas de forma autonomizada”, fonte do gabinete de Moreira da Silva garantiu ao SOL que “o Governo não pondera a privatização do sector da água”. O encaixe com a EGF tem “como destino exclusivo a amortização da dívida do grupo Águas de Portugal”. Em Junho de 2013, o grupo acumulava um passivo de 6,4 mil milhões de euros, dos quais três mil milhões eram dívida financeira.

Embora a venda da EGF seja uma ‘gota no oceano’ – a empresa não deverá valer muito mais do que 200 milhões de euros, segundo os últimos dados disponíveis, apesar de o Governo sublinhar que este valor já não está actualizado -, esta operação foi a forma de evitar uma pretensão da troika inscrita no memorando de entendimento assinado por Portugal.

Em Janeiro de 2013, a previsão era “introduzir capital e gestão privados na companhia Águas de Portugal”, perspectivando-se então “uma estratégia” para o conseguir.

Na última avaliação a Portugal, em Fevereiro de 2014, assumia-se já um recuo: “A abertura das concessões de água a capital e gestão privados deverá levar mais tempo”, lê-se no relatório – sem, contudo, esta opção deixar de estar em cima da mesa.

Outro argumento de Moreira da Silva para sustentar esta privatização tem sido o “enorme” investimento que ainda tem de ser feito e para o qual o Estado não tem capacidade financeira. Até 2020, avançou o governante, será necessário um investimento de 350 milhões de euros no sector de tratamento de resíduos – embora o Executivo preveja que existam cerca de 200 milhões de euros de financiamento comunitário até 2020. Até 2034, serão necessários 645 milhões.

Factura da água ‘mais baixa’

Por outro lado, esta alienação só terá efeitos práticos até 2034, ano em que terminam os contratos de concessão das empresas multimunicipais do grupo EGF com o Estado, mantendo-se este como concedente das infra-estruturas. Uma das exigências do Governo a quem pretenda entrar no capital da EGF – sendo que 5% se reserva aos trabalhadores das empresas do grupo – é experiência em gestão de resíduos.

Moreira da Silva tem insistido também que a factura da água “não vai aumentar”, ao contrário do que indicam alguns estudos internacionais. Tal como o SOL noticiou há semanas, uma pesquisa da Universidade de Greenwich, no Reino Unido, indica que um dos riscos da privatização de sistemas de saneamento é o encarecimento das tarifas.

Mas o ministro sustenta que, através dos novos estatutos da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), fica assegurada a qualidade e eficiência dos serviços e que os preços se mantêm baixos. A previsão é mesmo que a factura da água diminua cerca de 20%.

Com o concurso público a decorrer, os autarcas não vão conseguir travar a privatização da EGF, acredita o ministro do Ambiente, que está “seguro da legalidade” de todo o processo de alienação do capital daquela empresa. A operação tem sido alvo de acesa contestação por parte de alguns municípios, como os de Lisboa e Loures. O governante disse esta semana que todos os aspectos da privatização têm “enquadramento legal”, pelo que não “há risco jurídico” associado à alienação.

Por outro lado, “existe um número crescente de municípios que foi ganhando confiança no processo”, à medida que foram oficializadas as medidas necessárias à reestruturação do sector.

O ministro garantiu ainda que este processo de alienação não está dependente da venda ou não das participações dos municípios nas parcerias com a AdP, apesar de o Governo assegurar que as câmaras terão as mesmas condições de venda que o próprio Estado (o chamado tag along): “Não avaliarei o sucesso desta privatização pelo número de municípios que aceitem vender as suas participações. Avaliarei pelo plano estratégico para o sector apresentado e pelo preço”, concluiu Moreira da Silva.

sonia.balasteiro@sol.pt