Despida para matar

Aqui há uns tempos li um artigo sobre como a pornografia na internet estava a alterar a forma como as mulheres depilavam zonas íntimas e procuravam formas de embelezar as suas vulvas através de cirurgias plásticas, por exemplo; e embora tenha achado a matéria interessante, perguntei-me se aquilo não seria uma extrapolação exagerada de um…

É comum, pelo menos nos nossos últimos anos de história e de cultura popular, encarar a nudez de várias formas e até desvalorizá-la, sendo que a mais habitual é a nudez como forma de protesto ou sensibilização para temas que não são mainstream; e embora a nudez também se tenha tornado uma coisa vagamente banal no mundo do espectáculo, é certo que os processos ficcionais, quando transpostos para uma lógica de consumo quotidiano, perdem o seu sentido e tornam-se apenas bizarros. Ainda assim, só se considera que um ser humano está nu quando tem os órgãos genitais à mostra.

Ora bem, aqui entram, na minha forma de entender este tema, as feministas e a nova vaga de feminismos praticada por estrelas pop (de Valesca Popozuda a Beyoncé), que enchem as suas músicas de letras sobre emancipação e libertação feminina num movimento de pura bipolaridade para os cânones das mais antiguinhas: cantam-se versos de abertura de horizontes em shortinhos, bikinis, pastiches de mamilos e pouco mais. A carne conta. Quer isto dizer que a imagem da feminista-trambolho à qual estamos mais do que habituados, acabou, porque foi substituída pela feminista sensual, moderna, inteligente e com jogo de cintura suficiente para ter convicções tão fortes quanto as suas coxas. Adoro.

E aqui entra o paralelismo entre o artigo sobre o impacto da pornografia na estética íntima feminina e o impacto da nudez espectacular neo-feminista sobre os públicos-alvo.

Gosto muito de gente pudica. Especialmente de senhoras pudicas, muito conservadoras e cheias de problemas morais com uma série de coisas como palavrões e um ou outro comentário mais explícito. Também acho engraçadas as retrógradas que acham que a Lady Gaga é too much, que não conseguem compreender a Conchita Wurst ou que descriminam todo o tipo de fuga à norma. Acho giro. Também gosto daquela coisa do nu artístico, o tolerável, não é? E também acho gira a capacidade que essas mesmas senhoras pudicas têm de dissociar os seus decotes ou calções que desafiam os limites da denominação entre 'cueca' e 'tanga' de qualquer processo de sexualização do indivíduo. Porquê? Porque a revelação de uma carne a mais é apenas 'giro' e possível para mostrar o bronzeado, e isso não é ordinário. Porque como são elas é querido, e não ordinário.

Está errado. Está tão errado quanto a nudez parcial se ter tornado norma em determinadas ocasiões mais associadas ao lazer (saídas à noite, idas a festas, etc.). Porque se o poder feminino de outrora, aquele da sugestão, for suplantado pela nudez parcial social explícita, então uma das mais potentes armas de destruição maciça feminina foi entregue ao 'inimigo' e não há volta a dar. Quer isto dizer que a mulher comum, aquela cuja mensagem tem uma difusão algo inferior à de uma Beyoncé, por exemplo, que pratica essa forma de despir, por muito inteligente e feminista que seja, não deixa de estar inserida numa sociedade que apenas permite esse género de atitudes a mulheres específicas e será considerada mais uma. A subvalorização da Mulher. O desrespeito próprio.

A Mulher é sempre a poderosa. É sempre quem decide a sua posição social, seja ou não influenciada por agentes externos; o seu posicionamento depende de si mesma, por inteiro.

joanabarrios.com