Há 40 anos, em Abril, quando o Regime definhou no Carmo e a Revolução restituiu a liberdade, proclamava-se em vésperas do 1.º de Maio que era chegado o tempo de pôr de parte os três 'efes' que haviam dominado o Estado Novo: Fado, Fátima e Futebol. Por esta ou por outra ordem…
Quem viveu por dentro o PREC, em particular nas redacções dos jornais - caso do autor desta coluna -, pôde observar conversões súbitas de fé ideológica, apostolados doutrinários em plenários intermináveis, acusações mútuas de delito de opinião, medos e fragilidades com fartura.
A par deste estado de coisas, percebeu-se logo, com as Chaimites ainda a circular na rua, que o idealismo de Salgueiro Maia - é importante repeti-lo - estava a ser rapidamente subvertido pela única força verdadeiramente organizada, o Partido Comunista, com ramificações profundas entre os militares, e em sectores sensíveis da sociedade civil, jornalismo incluído.
O primeiro 1.º Maio pós-Estado Novo foi, ainda, uma festa genuína nas ruas, porque meio século de restrições à palavra e de perseguições políticas tinham cimentado todas as oposições, das moderadas democráticas às totalitárias radicais.
Mas enquanto uns sonhavam com a Europa sem fronteiras, usando o voto para decidir o futuro, não faltavam outros que afiavam a foice para cortar a seara da esperança renascida.
A União Soviética era apresentada como o 'sol da terra', os movimentos marxistas ganhavam terreno nas antigas colónias em África - com a prestimosa ajuda de militares de Abril -, e as portas das prisões abriam-se para novos detidos.
As redacções trepidavam de rumores sobre golpes e contra-golpes. E poucos eram os que resistiam à enxurrada esquerdizante, sobressaindo os recém-convertidos.
Até ao 25 de Novembro de 1975, o atordoamento revolucionário repetia o sufoco, e sobejavam os editoriais inflamados, defendendo já abertamente outra ditadura, de sinal contrário, distinguindo-se a direcção do DN, onde pontificava José Saramago.
São memórias breves de noites e dias longos. Com a democracia a funcionar, os três 'efes', todavia, regressaram em força.
O Fado, eleito património imaterial da humanidade pela Unesco, todos os dias acrescenta vozes, lançadas por um marketing agressivo.
Fátima modernizou-se como estuário de fé, apesar da crise acentuada de vocações para pastorear o rebanho.
E o Futebol ganhou um estatuto superlativo, movimentando milhões à volta de jogadores - os novos 'escravos de luxo' -, de treinadores e de dirigentes, preenchendo horas absurdas de emissão televisiva, e as primeiras páginas dos jornais.
Mudámos? Decerto. Mas os três 'efes' continuam imbatíveis. Somos assim.