Oito em cada dez brasileiros temem tortura em caso de detenção

Oito em cada dez brasileiros admitem temer ser vítimas de tortura em caso de detenção pelas autoridades, revela um estudo da Amnistia Internacional (AI) hoje divulgado.

O estudo, que envolveu 21 mil pessoas em 21 países em todos os continentes, conclui que o medo da tortura existe em todos eles, mas o Brasil é o país mais atingido.

A nível global, 44% das pessoas inquiridas revela discordar da frase: "Se eu fosse detido pelas autoridades no meu país, estou confiante de que estaria a salvo da tortura".

No Brasil, a percentagem sobe para 80%.

O México (64%), a Turquia, o Paquistão, e o Quénia (todos com 58%) são os países que se seguem ao Brasil, enquanto no extremo oposto surgem o Reino Unido (15%), a Austrália (16%) e o Canadá (21%).

A AI conclui também que mais de 80% das pessoas inquiridas defendem leis mais fortes contra a tortura.

Nesta questão, 83% das pessoas questionadas no Brasil defendem leis claras contra a tortura, o que coloca o país a meio de uma tabela liderada pela Coreia do Sul e pela Grécia (89%) e encerrada pelo Peru (71%).

Ainda segundo o estudo, 36% das pessoas questionadas concordam que a tortura "é por vezes necessária e aceitável para obter informação que pode proteger o público".

Os chineses e os indianos (74%) são os que mais concordam que a tortura pode justificar-se, enquanto os gregos (12%) e os argentinos (15%) são os que menos concordam.

No Brasil, o único país lusófono abrangido pelo estudo, 19% das pessoas afirmaram concordar que a tortura pode ser necessária e aceitável para proteger o público.

O inquérito surge a propósito da campanha "Stop Torture", que a AI lança hoje em Londres e que visa apelar aos governos e mobilizar a população para pôr fim a esta prática.

Trinta anos depois da aprovação da Convenção contra a Tortura pela ONU em 1984 — e mais de 65 anos depois da Declaração Universal dos Direitos Humanos — "a tortura não só está viva e bem de saúde, como está a florescer", escreve o secretário-geral da AI, Salil Shetty, na introdução ao relatório "Tortura em 2014, 30 anos de promessas não cumpridas".

No documento, a AI diz ter reunido, nos últimos cinco anos, relatos de tortura ou outras formas de violência em mais de 141 países — quase todos os Estados onde trabalha.

Enquanto em alguns países a AI documentou casos isolados e excepcionais, noutros a tortura é sistémica, afirma Shetty, sublinhando, no entanto, que "mesmo um só caso de tortura é inaceitável".

Para o responsável, "governos em todo o mundo têm duas caras no que diz respeito à tortura — proíbem-na na lei, mas facilitam-na na prática".

A AI apela por isso aos governos que apliquem medidas como a criminalização da tortura na legislação nacional, a abertura dos centros de detenção a fiscalizadores independentes e a gravação em vídeo dos interrogatórios.

A organização pede ainda a criação de mecanismos que facilitem a prevenção e a punição da tortura.

Embora garanta que o seu trabalho contra a tortura vai continuar a nível global, a AI diz que vai focar-se em particular em cinco países onde a tortura é mais frequente e onde a organização acredita poder ter mais impacto: o México, as Filipinas, Marrocos e o Saara Ocidental, a Nigéria e o Uzbequistão.

Lusa/SOL