O Paço dos Duques de Bragança

Para quem visita Guimarães pela primeira vez, a imagem que logo enche os olhos é o robusto palácio de três pisos que, sobranceiro ao amuralhado burgo medieval da cidade, ergue as suas altas chaminés em tijolo a meio da encosta da colina do castelo, o Monte Latito. 

E não é para menos! Apesar de o castelo – a par do Rei D. Afonso Henriques –, ser o ex-libris vimaranense e simbolizar o berço da nacionalidade, é a estranheza muito estrangeira da imponente arquitectura do Paço dos Duques de Bragança que, com as suas 36 chaminés, mais chama a atenção. E, de certo modo, é o edifício que melhor encarna a operação de cosmética que, de Norte a Sul do país, o Estado Novo promoveu para materializar a sua mitológica ideologia nacionalista. 

De facto, o Paço dos Duques começou a ser construído em 1420 pelo filho bastardo de D. João I, D. Afonso, conde de Barcelos e futuro duque de Bragança, a propósito do seu segundo casamento, mas nunca foi concluído. Com planta quadrangular, formada por quatro alas em torno de um pátio central e torreões nos ângulos, à semelhança do Paço dos Reis de Maiorca, em Perpignan, o Paço dos Duques obedecia a um projecto atribuído ao mestre francês Antom e espelhava o gosto estrangeirado de D. Afonso, que correra França e Veneza em missões diplomáticas.

Mas as obras foram interrompidas em 1461, com a morte do seu mentor, e só se retomariam em 1478, impulsionadas pelo neto, o 3.º duque de Bragança. Este, porém, seria acusado de traição por D. João II – como muitos outros nobres –, e ficaria com todos os bens confiscados, tornando-se o Paço propriedade da Casa Real. 

Mas a história não acaba aqui. Em 1496, os bens da Casa de Bragança voltam a ser restituídos ao 4.º duque de Bragança, D. Jaime — que vai construir o terceiro piso da ala posterior do Paço, ligando os dois torreões que ladeiam a capela. Seria a única ala a ter três pisos, porque, no início do século XVI, com a deslocação dos duques para Vila Viçosa, o edifício é encerrado e fica ao abandono, vindo mesmo alguma da sua pedra a ser utilizada em arranjos no mosteiro das Clarissas ou na construção do Convento da Piedade pelos frades capuchos. 

E a degradação (que se diria irremediável) acentua-se a partir de 1616, com a doação de Guimarães ao castelhano D. Diogo da Sylva e Mendonza – doação que ainda hoje serve para o povo de Braga, nas suas disputas bairristas, chamar ‘espanhóis’ aos de Guimarães –, só vindo a abrandar no início do século XIX, com a instalação do Quartel do Regimento de Infantaria 20 nas suas partes menos arruinadas. Por fim, de 1937 a 1959, o Paço sofre profundas obras de restauro e reconstrução, adquirindo a sua actual fisionomia, sobretudo pelo acrescento de dois pisos à ala fronteira e de um terceiro piso às alas laterais. 

Esta tendência reiterada do Estado Novo, designadamente na reconstrução dos castelos, em fazer de conta que obra do século XX é restauro do edifício original, criou alguns equívocos, de que o Paço dos Duques, pela monumentalidade adquirida, é paradigma. E a que a afectação do terceiro piso a residência oficial do Presidente da República apenas empresta ironia!