Escaravelho Vermelho: A guerra das palmeiras

As palmeiras foram um símbolo de poder e de estatuto em séculos passados, quando os viajantes as traziam de paragens exóticas para adornar os seus jardins, mas perderam o poder e correm o risco de sucumbir na guerra contra a praga agora que agora as assola em todo o país. 

A culpa é do escaravelho vermelho (Rhynchophorus ferrugineus), originário da Indonésia, e que invadiu Portugal em 2007, alojado em plantas importadas, através do Sul de Espanha e do Egipto. A praga cresceu de tal modo que a Europa lhe declarou guerra aberta, criando um plano de controlo e tornando obrigatória a luta contra o insecto que, já no início do século XX, causava bastante preocupação às populações do então Ceilão (Sri Lanka), na Ásia, onde se banqueteava com os coqueiros, fundamentais para a economia do país. Já então se considerava fundamental abater a árvore. 

O escaravelho vermelho não é um insecto esquisito: tem uma grande capacidade de adaptação ao meio que encontra.
Em Lisboa, as palmeiras, um dos seus hospedeiros, tornaram-se, com o tempo, uma das plantas ornamentais mais presentes na paisagem urbana, recortando o céu na maioria dos jardins da capital,  aperaltados, sobretudo, com palmeiras centenárias e grandes. Mas a praga do Rhynchophorus ferrugineus continua, vários anos após a sua detecção, longe de estar controlada.  Pelo contrário: cada vez surgem mais palmeiras doentes.

E, para olhos menos experimentados, não é fácil saber quando uma palmeira está doente. O escaravelho vermelho é hábil a esconder os seus vestígios, apesar do tamanho (mede entre 1,5 e 4,5 cm) e as palmeiras raramente exibem sinais de enfermidade. Na verdade, numa palmeira sem sintomas chegam a encontrar-se 1500 a 2000 casulos de escaravelho. “Nunca asseguramos que uma palmeira não está doente. Dizemos que está 'sem sintomas visíveis'“, explica Carlos Gabirro, da Biostásia, empresa especializada no combate à praga do escaravelho, contratada por várias câmaras do centro, incluindo Lisboa, para resolver o problema. 

A dimensão da praga é difícil de determinar, uma vez que não há dados de quantas palmeiras estarão doentes na capital. “Só nós temos em tratamento entre 200 e 300 árvores, mas a câmara tem outras empresas e os seus próprios técnicos a trabalhar no combate”, refere Gabirro. “Temos uma ínfima parte, e já há contrato para tratar mais 250 a 300 árvores”, acrescenta o especialista. Existem milhares de palmeiras em Lisboa, de 22 espécies diferentes, identificadas pelo Ministério da Agricultura. Muitas pertencem a proprietários privados, que se deparam com os custos do tratamento, que atinge os 600 euros anuais. 

Porém, são obrigados a fazê-lo, e a câmara notifica-os. Se os particulares não fizerem os tratamentos adequados, de pouco servem os esforços da autarquia, uma vez que cada escaravelho consegue voar, sem parar, cerca de cinco a sete quilómetros. E é no Verão que mais voam.

Outra das dificuldades em perceber a dimensão da praga tem que ver com o facto de muitas das palmeiras doentes terem sido já abatidas, não restando sinais visíveis de que o escaravelho passou por ali.
Além disso, os escaravelhos também começaram a atacar as palmeiras um pouco abaixo do habitual, tornando os sinais de doença ainda menos visíveis. Mesmo assim, o especialista da Biostásia está contente com os resultados dos tratamentos. 

No ano passado, a Biostásia atingiu um nível de perdas de “cerca de 2,5%”, refere Gabirro, no Campo das Cebolas, um dos jardins da capital cobertos por palmeiras. E este ano, ainda não houve perdas. “Aqui, conseguimos recuperar praticamente todas”, diz o responsável, apontando para as árvores, frondosas, apenas com algumas folhas secas. 

Copa simétrica 

É nas copas que os especialistas detectam o escaravelho. Não porque o vejam ou porque as folhas estejam secas, mas porque “quando uma palmeira está saudável, tem a copa simétrica, redonda”. Quando começam a verificar-se assimetrias, é porque já foi atacada.

Em Lisboa, o escaravelho, tratado com produtos químicos ou biológicos (os últimos mais eficazes), encontrou as condições ideais para se desenvolver e para alimentar as suas larvas, que são especialmente vorazes. 

“No ano passado, houve cerca de quatro gerações. A rapidez é incrível, por isso conseguem adaptar-se bem às alterações e aos tratamentos”, conta Carlos Gabirro. Em cada postura, há 300 a 400 novos ovos. Isto porque, explica, Lisboa “tem um microclima, mais quente e húmido, que é ideal ao seu desenvolvimento”. 

Além de que, em Portugal, ao contrário do que acontece, por exemplo, na Indonésia, onde fazem parte da cadeia alimentar dos humanos, os escaravelhos não têm predadores naturais. E essa poderá ser uma das soluções para lutar contra o invasor. 

Mas nem tudo são más notícias. No Instituto Superior de Agronomia, os especialistas conseguiram recuperar 17 palmeiras emblemáticas dos seus jardins, com tratamentos e monitorização constantes, referiu Filomena Caetano na última tertúlia dedicada ao tema, no Museu Nacional de História Natural e da Ciência.

No encontro, os especialistas revelaram os avanços no combate ao insecto. Os mais promissores serão os tratamentos com fungos entomopatológicos, que parasitem os escaravelhos.

Em Espanha, outro dos países onde o escaravelho tem marcado cada vez mais presença, também há uma nova 'arma biológica' contra a praga, que poderá devolver vantagem às palmeiras: uma equipa de investigadores de ecologia da Universidade Miguel Hernández, em Elche, Alicante, está a investigar os motivos que levaram o falcão peneireiro a alimentar-se quase exclusivamente do escaravelho vermelho.

E, em Valência, onde recentemente decorreu um encontro entre especialistas, conseguiu-se que a praga recuasse em muitas palmeiras, através de planos de tratamento por zonas. “É fundamental  trabalhar de uma forma concertada entre várias entidades”, sublinha Gabirro. O que ainda não acontece em Portugal.

Primeiro-ministro com árvore doente

O passeio com o técnico prossegue por alguns dos locais em que a Biostásia tem estado a trabalhar: a Praça D. Luís, perto do mercado da Ribeira, a Avenida da Liberdade, um dos locais mais afectados pelo escaravelho e com mais palmeiras em Lisboa, Sta. Apolónia, onde não se vislumbram mais do que troncos já sem folhas. “Abater uma árvore é um dos trabalhos mais difíceis que temos. Só se o não pudermos evitar é que o fazemos. Consideramos o nível fitossanitário e a importância cultural “, diz Gabirro. 

Além de deitar a árvore abaixo – o que é complicadíssimo, porque as palmeiras são frondosas e têm troncos fibrosos, muito difíceis de cortar – é preciso um camião para transportar os resíduos, que devem ser entregues na Valorsul. “São dias de trabalho”, garante o especialista. Talvez por isso, a residência oficial do primeiro-ministro ainda não tenha tratado ou abatido a palmeira doente que  lá tem. Mas raramente há outra opção: é preciso abater uma para salvar as outras.

sonia.balasteiro@sol.pt