Um tiro pela culatra

O PS, convencido de que teria um grande resultado nas europeias, apresentou-as como ‘a primeira volta das legislativas’ – o que era manifestamente abusivo.

Basta lembrar que Manuela Ferreira Leite ganhou as europeias a José Sócrates (com 5% de avanço) mas a seguir perdeu as legislativas (por 8 pontos de diferença).

Mas enfim: Seguro estava no seu papel e ninguém podia levar-lhe a mal.

Só que o tiro saiu-lhe estrondosamente pela culatra.

Quando se admitia que o PS alcançasse os 40% ou mesmo um pouco mais (Ferro Rodrigues teve 43% em condições muito menos favoráveis), Seguro ficou-se pelos 31%.
Uma lástima.

O PS falhou numa coisa básica para o princípal partido da oposição: não conseguiu atrair os votos dos descontentes com o Governo.
Dois terços dos eleitores ficaram em casa, ou seja, marimbaram-se para o Governo mas também para o PS.
E, dos que foram às urnas, outros dois terços não votaram no PS, preferindo votar na coligação PSD/CDS, no PCP, nos pequenos partidos ou mesmo em branco.
Depois de 36 meses de medidas duríssimas, em que o PSD e o CDS deram o corpo ao manifesto e o PS esteve sempre de fora a gozar o panorama, os socialistas apenas conseguiram mais 3% do que os partidos do Governo! 

A que se deve este rotundo falhanço?   
Em primeiro lugar, à fragilidade do líder: Seguro, que teve a sua primeira prova de fogo, mostrou que não vai lá das pernas.

Além de não ter carisma, pretendeu sempre ser o que não é: quis mostrar-se um duro, fazendo voz grossa e cara de mau, papel não lhe assenta nada bem.
Seguro tem uma imagem simpática, afável, e era nela que deveria ter apostado e não numa dureza postiça.

Em segundo lugar, o PS falhou no discurso.

Seguro prometeu sob palavra de honra que se for Governo não aumentará os impostos,  reporá as pensões, reabrirá os tribunais, acabará com os sem-abrigo, etc. 

Ora, nos tempos que correm, já ninguém acredita em promessas – e elas só diminuem quem as faz.
Seguro, na campanha, parecia andar a comprar votos em troca de medidas populares.
Para se credibilizar, o líder do PS deveria ter seguido exactamente o caminho contrário: fazer um discurso responsável, exigente, apresentando soluções diferentes das que têm sido seguidas mas não prometendo facilidades.
 
A direita caiu muito em número de votos, mas aí não houve surpresa.
Quando o Governo começou a cumprir o programa de austeridade para salvar o país da bancarrota, sabia perfeitamente os terríveis custos eleitorais que isso comportava – levando, aliás, Passos Coelho a  dizer «que se lixem as eleições».
Toda a gente tinha consciência disso.

Assim, há uma grande hipocrisia quando se recorda, com falsa ingenuidade, que este foi «o pior resultado de sempre da direita».

Claro que foi.

Mas foi também, de longe, a pior conjuntura de sempre em que um Governo disputou eleições. 
O facto mais extraordinário de domingo foi mesmo a deslocação às urnas de quase um milhão de eleitores para ir dar o seu apoio ao Governo…

E, em termos europeus, a coligação acabou por ter um excelente resultado.

Na União Europeia, os partidos no poder perderam quase todos e por muitos.
Em França, Hollande teve 14,5%; na Grécia, Samaras teve 23%; em Inglaterra, Cameron teve 24%; e até Rajoy, que venceu em Espanha, teve um resultado inferior ao da coligação PSD/CDS: 26%.

E este resultado  abre perspectivas a uma vitória dos partidos do Governo em 2015.
Porquê?
Porque os governos são sempre mais penalizados nas europeias do que nas legislativas, e três por cento de diferença é muito pouco.

É de admitir que uma parte significativa da abstenção nestas eleições possa votar para o ano no PSD e no CDS.
São pessoas ressentidas, que não estiveram para ir às urnas apoiar Passos e Portas, mas que numas eleições ‘a sério’ poderão preferir a continuidade e a estabilidade a um regresso ao passado com o PS.

A este respeito, a entrada de Sócrates na campanha, apesar de fugaz, foi um tiro no pé.
Porque veio reforçar essa ideia de que, se o PS voltar ao poder, vai repetir os erros do passado. 

Falando dos pequenos partidos, cabe uma menção muito especial para Marinho Pinto – que é a prova viva da importância das pessoas na política.

Marinho Pinto, um homem só, teve mais votos do que o BE, uma força política com 15 anos de experiência e sedes por todo o país.

É certo que a débacle do BE não foi surpresa, pois o partido chegava a estas eleições muito depauperado, após sucessivas cisões e um ano e meio de uma insólita liderança bicéfala.
Como surpresa não foi o resultado do PCP, cuja subida prevíramos.  

Uma palavra final para a ascensão das forças antieuropeístas em toda a Europa, à direita e à esquerda, que constitui um problema muito sério.

O antieuropeísmo proporciona um discurso fácil.

Os cidadãos dos países do Norte consideram que andam a contribuir para os do Sul, que não trabalham e querem viver à sombra da bananeira; e os do Sul acham que os do Norte não são suficientemente solidários e os deviam ajudar mais.

E depois há os nacionalismos.

É fácil espevitar o orgulho nacional de povos feridos pela presença numa comunidade que os ultrapassa e que, em muitos casos, as pessoas pensam que as prejudica.
A necessidade de uma União Europeia – de uma conjugação de esforços dos países europeus para resistirem à pressão das grandes potencias, EUA, China e Rússia – é muito mais dificil de explicar.

O discurso populista cola, porque se dirige à emoção.

E assim temos a Frente Nacional em França com 25%, a UKIP em Inglaterra com 31%, o Sy.ri.za na Grécia com 27%, e por aí fora.

A Europa dá mostras de desagregação, tanto pela escalada destes partidos (que são sinais de descontentamento) como pelos elevados níveis de abstenção (que são sinais de desinteresse).

Como se resolverá isto?

Julgo que só há uma maneira de evitar o crescimento dos extremos: os partidos centrais (em Portugal, o PSD e o PS) assumirem uma atitude mais agressiva, mais afirmativa politicamente, retirando à extrema-direita e à extrema-esquerda o monopólio da combatividade.

A tendência para os partidos centrais suavizarem o discurso (para ganharem votos ao centro)  amoleceu o debate político e abriu muito espaço à esquerda e à direita para os partidos extremistas actuarem.

Nas democracias formaram-se pântanos onde os partidos do centro mergulharam, dando oportunidades de bandeja aos fascistas e aos comunistas radicais.

Os chamados partidos do sistema têm de ser menos politicamente correctos, têm de voltar a ganhar nervo, têm de ser mais combativos e afirmativos, têm de debater as grandes questões (como a imigração) e não fugir a elas, caso contrário estarão tramados.

PS 1: Com a inevitável convulsão no PS provocada pelas eleições, António Costa ou avançava ou dizia adeus em definitivo à liderança. Avançou. As próximas semanas serão decisivas.

PS 2: Durante algum tempo, a esquerda elogiou Hollande e fustigou Merkel, chegando Soares a dizer que esta seria severamente punida nas urnas. Os 14,5% de Hollande, contra os 36,6% de Merkel, foram a resposta a essas ‘reflexões’.