Banqueiros na berlinda…

Num livro biográfico de Jorge Jardim Gonçalves, com publicação anunciada, Ramalho Eanes assume, em prefácio, que «houve uma acção de cerco e apropriação do BCP pelo poder político». 

Por norma reservado, o ex-Presidente – e uma das raras reservas morais do 25 de Abril – só pode escrever com este vigor sobre o que reflectiu e sabe, sem se expor em nome de amizades ou de simpatias paroquiais.

E, do mesmo passo, aponta o dedo crítico na direcção de Vítor Constâncio, então governador do Banco de Portugal, de Carlos Tavares, da CMVM e, até, de Teixeira dos Santos, então ministro das Finanças, pela «destruição da sua imagem pública», quando tinham «obrigação institucional de o conhecer».

É certo que a memória colectiva é curta, mas quem não se lembra da presença – estranhamente assídua – do comendador Berardo no prime time da SIC Noticias, desdobrando-se num português mal amanhado – perante a complacência do pivot –, arvorado em ‘cavalo de Tróia’ de uma estratégia cuja finalidade nem sequer dissimulava?

Era o tempo em que José Sócrates aspirava a controlar dois eixos fundamentais para a sua política de asfixia democrática: a banca e os media. 

No BCP, mudou a administração, perante a passividade dos accionistas de referência, substituída por ‘homens de mão’ vindos da Caixa, entre os quais pontificava o inefável Vara, com um histórico que também  dava um livro. Nos media, este jornal pode dar o seu testemunho, quando esteve à beira de fechar, e a TVI ficou a um passo de mudar de donos. 

Na banca, como nos media, a orientação era domesticar quem não jurasse fidelidade. À maneira de Chàvez, de quem Sócrates se mostrava devoto.

Frontal, Eanes recupera factos que têm sido escamoteados e não receia os impropérios dos ‘patrulheiros de serviço’. Jardim Gonçalves pode agradecer-lhe a coragem.
«Todos nós cometemos erros», confessa agora Ricardo Salgado, no meio do turbilhão que varre a credibilidade do Grupo

BES, que ainda lidera, numa invulgar entrevista publicada pelo Jornal de Negócios. 
O banco que foi visto – com razão ou sem ela – como um dos mais íntimos do poder, lubrificando ‘pontes’ durante os governos de Sócrates, é o protagonista de um prospecto demolidor da CMVM, no quadro do aumento de capital do BES, após uma auditoria do Banco de Portugal detectar «irregularidades materialmente relevantes nas contas» da holding de controlo do GES. 

O BES e o BCP , dois pesos pesados do sistema financeiro, convergiram nas incertezas, em diferentes períodos. 
Não ficaram sozinhos. O Banif, após o desaparecimento prematuro de Horário Roque, seu fundador, ainda amarga as dissensões entre herdeiros e as sequelas de uma estrutura frágil, enquanto ficaram pelo caminho o BPN e o BPP, com as desgraças que se conhecem. 

Do ‘cerco’ movido pelo poder político ao BCP de Jardim Gonçalves, à queda anunciada de Ricardo Salgado no BES, desenrola-se um filme de alta tensão e suspense não recomendável para almas sensíveis. É o que temos. 
Com uma diferença substancial: o supervisor parece ter despertado da antiga letargia, recuperando a vigilância do sistema financeiro, e intervindo quando algo corre mal. Com independência. Carlos Costa, actual governador, não trabalha para ter um lugar no BCE…