O que a escola não nos ensinou

Num dos seus livros mais recentes (A Obsessão do Fogo), o intelectual italiano Umberto Eco nota que existem especialistas na obra de Dante Alighieri um pouco por toda a Europa e até por todo o mundo. Excepto num país: Itália, justamente o berço de Dante. 

A afirmação é provavelmente exagerada, mas terá uma ponta de verdade.

Em Itália ninguém estuda a obra do grande poeta toscano, diz Eco, porque os estudantes italianos lêem a Divina Comédia demasiado cedo, quando ainda não estão preparados para apreciar a obra. Essa experiência deixa-os traumatizados e faz com que na idade adulta não queiram voltar a esse texto.

Acredito que em Portugal suceda um fenómeno idêntico com Os Lusíadas. Por mim falo. Para voltar a ler o grande poema épico de Camões tive de vencer uma dupla resistência: por um lado, não tinha grandes recordações do seu estudo; por outro, achava que já conhecia a história e que por isso a leitura iria trazer-me pouco de novo.

Ora, por que não tinha eu grandes recordações? Por causa da escola, evidentemente. O problema não residia apenas no facto de eu ser demasiado novo para digerir o poema. Era também o ‘ângulo de ataque’. Enquanto aluno do ensino secundário (já não recordo se no 10.º ou 11.º ano) foi-me pedido a mim e aos meus colegas que dividíssemos cada verso em sílabas métricas. Um exercício puramente mecânico – para não dizer imbecilizante – que poderia ter alguma utilidade se quiséssemos escrever poesia segundo as regras do século XVI, mas que nada nos ensinou acerca dos inesgotáveis encantos d’Os Lusíadas.

Mais ou menos por essa altura, em Matemática tínhamos de resolver equações de terceiro grau que chegavam a ocupar duas linhas do caderno (só a equação em si, não estou a falar da resolução do exercício). Implicavam cálculos tão complexos que tínhamos de ter uma máquina calculadora ultra-sofisticada. Mas curiosamente, quando íamos jantar fora, ninguém sabia fazer uma simples operação de dividir. E quando chegava a hora de pagar, as contas nunca batiam certo…

Há muito tempo que ouvimos os professores queixarem-se – e com razão – de que não dispõem de tempo suficiente para darem tudo o que está previsto nos programas. Mas fica a impressão de que ao mesmo tempo que há muitas matérias complexas e supérfluas a serem ensinadas, há outras coisas elementares que ficam de fora – por exemplo, os milagres da natureza, o funcionamento das máquinas que usamos no dia-a-dia ou a história das nossas ruas e cidades. Falta, frequentemente, o sentido do concreto e a ligação ao quotidiano. Mas não só: falta também essa coisa essencial que é o prazer de aprender. Em compensação, sobram os conceitos, abstracções, esquemas, teorias e palavreado.

Na universidade tive um professor, já falecido, que volta e meia referia «o saber e o sabor». Nunca percebi muito bem o que ele queria dizer com isso, pois em geral as aulas na faculdade eram bastante sensaboronas e havia professores que pareciam fazer os possíveis para tornarem as suas matérias ainda mais maçudas e desinteressantes do que já eram por natureza.

Só mais tarde, escutando pessoas conhecedoras, lendo bons livros, vendo documentários estimulantes, percebi do que falava o velho professor. Falava do prazer do conhecimento. E concluí que era estranho que, apesar de eu gostar tanto de aprender coisas novas, nunca tivesse gostado muito de ir à escola. l

jose.c.saraiva@sol.pt