Esta guerra vai deixar marcas

O timing do anúncio da candidatura de António Costa à liderança do PS foi perfeito: 12 horas depois da desilusão das europeias, Costa chegou-se à frente.

De facto, não havia razão para esperar mais tempo, pois não havia nada mais a esclarecer. 
O fracasso estava à vista de todos: após três anos de dura austeridade, o PS só conseguia três magros pontos de vantagem sobre o Governo. 

Mas, se o timing foi bom, a forma foi desastrosa.
Costa usou a inauguração de um memorial em honra de Maria José Nogueira Pinto para lançar a sua candidatura – tornando-se ali o centro das atenções mediáticas.

Ora, a ‘figura central’ naquela cerimónia só podia ser, como é evidente, a própria Maria José e mais ninguém.
Ao aproveitar a circunstância para fazer uma jogada política, Costa não pode livrar-se de acusações de oportunismo.
Para além de que, naquela cerimónia, ele estava formalmente como presidente da Câmara de Lisboa, não fazendo nenhum sentido pôr-se a falar de assuntos partidários.

E as gafes não ficaram por aqui. António Costa fez saber na ocasião que marcara um encontro com António José Seguro para o dia seguinte.
Ora isso não tinha, também, qualquer lógica.

Partindo do princípio de que Costa ia comunicar a Seguro a sua decisão de avançar para a liderança do partido, não deveria tê-lo feito antes de a anunciar publicamente?

Não deveria António Costa comunicar primeiro a decisão ao líder do PS e só depois transmiti-la à imprensa? 
Não seria mais razoável António Costa fazer o anúncio da candidatura a secretário-geral à porta da sede do PS no Rato (e não junto ao memorial de Maria José Nogueira Pinto), após ter informado Seguro? 
Mas deixando de lado a forma, vejamos a substância.

É evidente que o decepcionante resultado nas europeias deixou no PS um rasto de desilusão, instalando-se a ideia de que Seguro dificilmente conseguirá vencer de forma clara as próximas legislativas (se as conseguir vencer).
Mas a democracia tem regras, que não são apenas formalismos.

Do mesmo modo que um Governo é eleito por quatro anos e não perde a legitimidade por ter maus resultados em eleições autárquicas ou europeias, um líder partidário deve, em princípio, cumprir os mandatos até ao fim.
O PS entregou a chefia a Seguro até 2015 e fê-lo de livre vontade, sabendo perfeitamente que entretanto se realizavam eleições.

Se a continuidade do líder dependesse dos resultados eleitorais, então isso deveria estar escrito preto no branco, para não existirem dúvidas.
Dir-se-á que, entretanto, apareceu um candidato forte à liderança do partido.

É verdade.

Mas as regras não devem depender das pessoas envolvidas – caso contrário não seriam regras.
Se fosse o Zé dos Anzóis a dizer que se candidatava, ninguém lhe daria ouvidos; sendo António Costa, já tudo deveria passar-se de outra maneira… 

António José Seguro entendeu que não havia razões para se demitir e abrir um processo eleitoral – e está no seu pleníssimo direito.

Por outro lado, porém, não querendo passar por medroso, aceitou uma disputa com António Costa, não para a liderança do partido mas para a escolha do candidato do PS a primeiro-ministro. 

Foi uma saída bizarra. 
Que deixou Costa furioso – e transformou o PS num campo de batalha, com acusações duríssimas de um lado e doutro.

Seguro mostra-se profundamente magoado e ressentido, Costa revelou uma agressividade que se lhe desconhecia e que estava escondida atrás de uma estudada bonomia.

Mas acima destes dois homens paira um fantasma, que vai ser o grande problema do PS no futuro.
Chama-se José Sócrates.

Ele já se pronunciou abertamente a favor de Costa, o que não é normal: normalmente os ex-líderes guardam algum recato quanto às eleições internas.

Soares, por exemplo, fez a vida negra a quase todos os seus sucessores, de Constâncio a Seguro, passando por Guterres, mas nos momentos eleitorais punha-se à margem.
Cavaco também nunca se envolveu nas disputas internas do PSD.

Sócrates deveria igualmente não o ter feito – e, se o fez, como não é ingénuo nem incauto, tinha um objectivo.
Se António Costa for escolhido para candidato a primeiro-ministro e chegar a líder do PS, Sócrates e os seus amigos – Pedro Silva Pereira, Vieira da Silva, Augusto Santos Silva – vão colar-se a ele como lapas.
E isso dividirá por completo o PS e vai deixar marcas profundas difíceis de apagar.
Para já, pôs filhos contra pais (João contra Mário Soares).
E as hostilidades não ficarão por aqui. 

Enganaram-se os que julgavam que Sócrates era uma página da história do PS que fora virada e ficara para trás.
Sócrates não desiste.

Ele nunca se conformou com o afastamento do poder – e vai tentar por todos os meios lá voltar.
Se Sócrates conseguir ajudar Costa a chegar à liderança, começará depois a minar-lhe o terreno.

Para ele, António Costa é uma barriga de aluguer. 

Hoje, ajudou-o a derrotar Seguro; amanhã, será ele próprio o alvo a abater.
E caso os socráticos regressem aos lugares de chefia, aí o ajuste de contas será mesmo a sério.

P.S. Uma das coisas que distinguem a direita da esquerda é esta: a esquerda defende mais Estado e portanto mais despesa pública e mais impostos, a direita defende menos Estado e menos impostos, para libertar dinheiro para a economia. O TC, com as decisões que toma de há dois anos para cá, impedindo os cortes na função pública, tem empurrado o Governo para o constante aumento de impostos, ao arrepio da sua matriz. Ora isto não pode acontecer. As opções políticas têm de ser definidas pelo poder político eleito e não por um colectivo de juízes nomeados.