Farto destes partidos

As eleições europeias trouxeram na sua maré o que há muito era esperado: o crescimento eleitoral de movimentos extremistas, populistas e mesmo fascistas. Aconteceu em vários países e continuará a suceder eleição após eleição. Como um implacável vírus imune a todas as drogas conhecidas. Estamos perto do fim da linha.

Em Portugal, Marinho Pinto. Muito mau, mas podia ser pior. Na Europa há pior. Um populista, sem dúvida. Será líder dos descamisados e provocará uma enorme angústia na classe política. Com um palco maior, que terá de lhe ser dado se for candidato presidencial ou nas legislativas, multiplicará a sua votação. Nada de mais lógico. Porque os partidos tradicionais não têm ponta por onde se lhe pegue, tão simples quanto isso.

No dia das eleições sentei-me às 20 horas e, muito poucos minutos depois, vejo Francisco Assis, cabeça de lista do Partido Socialista, a discursar como um vitorioso absoluto. Os militantes, com alguns ilustres na primeira fila, aplaudiam cada vírgula do candidato. Pensei: ‘Isto deve mesmo ser uma hecatombe para a coligação e uma crise política anunciada’. Afinal, duas horas depois, a vitória estrondosa era apenas uma vitória sofrida e indigesta. A suficiente para António Costa colocar-se em jogo; o único socialista que pode aspirar a ser primeiro-ministro, estou disso convencido.

Faz-me lembrar uma entrevista que dei ao assumir a direcção de uma estação de rádio. Entusiasmado nos meus trinta e poucos anos, desejoso de criar uma expectativa no mercado e de mobilizar os accionistas e a redacção, proclamei que num ano desejava ‘apanhar’ a TSF. Saiu-me cara a afirmação e foi mais do que justo o preço que paguei: um líder ou futuro líder que não sabe dosear as expectativas não pode ser líder. Fez-me recordar de mim, mas o que Seguro e Assis fizeram na noite eleitoral é mais grave, porque o primeiro quer governar o país, gerir tabuleiros de poder complexos. Um pouco assustador.

Os partidos não mobilizam e uma substancial fatia dos cidadãos já não acredita em coisa alguma. Entra-nos por um ouvido, sai-nos por outro. E os projectos revolucionários não são de futuro, infelizmente são todos do passado, não mobilizam esperança. Quando muito, à esquerda e à direita, mobilizarão o medo. Uma tenebrosa encruzilhada.

Tudo é demasiado volátil. Na política, nas empresas, no jornalismo. Apesar de existirem excelentes jornalistas – gente que persegue a ambição de informar, de procurar a verdade, de escavar o seu tempo como se fosse um arqueólogo do presente, de regular uma das mais extraordinárias invenções do ser humano: a democracia. Esses, os que não desistem, têm de sobreviver a um modo de vida que reduz o jornalismo a uma ficção. Não que seja mentira o que na maioria das vezes se diz, o problema é que nada do que ouvimos, lemos ou vemos parece ser verdade aos nossos olhos. Nos telejornais, rádios, jornais, discursos políticos, modelos educativos ou construção de relações. A evolução da civilização transportou-nos para um mundo de distracção e de lazer, e ainda bem que o fez. Mas existe uma factura para tudo. E o jornalismo, como a política ou as famílias, e é tão volátil como o argumento de uma novela cujo objectivo é ter audiência, animação e expectativa. É esse o recibo a que não conseguimos fugir.

É uma lógica perversa sem inocentes. Mesmo nós, os que votam, não desejamos toda a verdade. Se a ouvirmos não votamos, preferimos escolher quem nos diz o que pretendemos ouvir. E os líderes sabem isso e precisam de ser eleitos. Como se diz na América, a campanha eleitoral é um exercício poético e a governação um livro de prosa contraditória. Um exercício de ilusão e desilusão. Que acabará um dia, tudo acaba um dia.
Talvez seja tempo de juntar pessoas que pensem em novas palavras, novos modelos, novos países e também novos cidadãos. Tempo de criar uma ideologia revolucionária de futuro que seja um aprofundamento da democracia e não uma metástase de fascismos à direita e à esquerda. Uma ideologia moral e não amoral. Uma civilização que se saiba proteger da barbárie de nós próprios, da ambição desmedida e sobretudo que nos salve de um mundo sem controlo onde os mercados têm o verdadeiro poder e não os Estados. Mercados que não são controlados por ninguém. Um mundo de loucos.

Farto de ouvir promessas. E como desconfio dos que não tendo acne defendem várias coisas ao mesmo tempo – gritam pelos direitos dos animais, pelo ambiente, pelos consumidores, pelos expatriados, pelos sem-abrigo, pela cidadania, pela língua portuguesa, pela liberdade religiosa, pelos direitos dos homossexuais, pelas touradas ou contra elas. Se nos jovens cada grito é um tijolo da sua casa interior, nos outros é um sinal de impotência, de ausência de uma verdadeira vontade. Desconfio dos que defendem tudo, convictos e inabaláveis. Porque nunca sairão do seu canto para construir uma convicção. Só a convicção de que o poder conta. Custe o que custar. Não chega. Já cansa.