Contos antonianos…

Há pessoas que vieram ao mundo fadadas pela predestinação. António Costa parece ser um deles. Quem consultar a Wikipedia, fica a saber que o homem de quem se fala exerceu a advocacia por pouco tempo e ingressou na vida partidária de corpo inteiro, com cartão da JS, tal como Seguro.

Pertencem à mesma geração. Foram deputados e eurodeputados, especializaram-se em discursos redondos,  passaram pelos cadeirais do Governo (mais rodado o primeiro).

Na chamada vida civil – da tarimba do emprego por conta própria ou de outrem –, a experiência dos dois é irrelevante. Cresceram ambos no berço dos aspirantes ao poder, vulgo juventudes partidárias, e cruzaram-se, não raramente,  nos sótãos da intriga política. Espreitam-se há muito, contabilizam apoios na sombra, vigiam os fantasmas das suas ambições. São tão iguais que custa a perceber as diferenças. Separa-os, contudo, o messianismo militante, que vários ‘analistas’ teimam em atribuir a Costa.

Antes das europeias, Seguro encerrou a convenção Novo Rumo proclamando um pacote de  80 compromissos para um futuro programa de Governo! Nem mais. Virada a página das europeias, Costa respondeu, desde o Porto, com uma mega-agenda de Governo para uma década, invocando – sem corar nem lhe doer a alma – o «impulso reformista» de José

Sócrates, que empurrou o país para o limiar da  falência. Um espanto.
Se exceptuarmos as loas a Sócrates – de quem Costa é devoto e Seguro menos praticante –, os programas são gémeos, ornamentados pelo jargão do costume. Se a realidade não fosse séria, o confronto poderia, até, ser visto como um divertimento palaciano, para entreter no Verão cavalheiros ávidos de arena e damas púdicas suspirando pelos favores da Corte.

De facto, ao afirmarem-se candidatos a primeiro-ministro, ficcionam uma eleição directa que não existe, salvo no reduto paroquial em que se defrontam. Seguro e Costa brincam às escondidas,   em que um puxa o tapete ao outro, a ver qual deles cai primeiro.

Elege-se um Parlamento e, nos termos constitucionais, o Presidente da República nomeia o primeiro-ministro, «ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais». Em regra, o primeiro-ministro tem sido o líder do partido mais votado. Nada impede, porém,  que o partido vencedor indique outra personalidade, que não o líder. 

É nesse tabuleiro que jogam ambos? Sabe-se que não. Seguro,  se perder as primárias,  já disse que renuncia a tudo. E Costa, apesar das primárias, não desiste de acumular a liderança do PS em Congresso extraordinário. Socráticos e soaristas estão em fila de espera.

O reality show que têm oferecido ao país – como o definiu Zorrinho num momento inspirado – imita a Casa dos Segredos, faltando apurar quem é expulso da casa e quem nela fica, sem nenhum valor acrescentado… 

Com as habituais cumplicidades mediáticas, o guião promete. Suspeita-se que as cenas mais atrevidas estão ainda para vir. Nos Sermões, o Padre António Vieira interrogava-se: «Se nos vendemos tão baratos, porque nos avaliamos tão caros?». Largos contos antonianos…