A imprensa no seu labirinto

A imprensa generalista vive um momento estranho. Ao perder continuadamente leitores, perde influência, perde publicidade e perde independência. 

O fenómeno não é exclusivamente português, mas a pequenez do nosso mercado, as profundas assimetrias culturais, e o crescente desinteresse pela informação escrita, em particular nas novas gerações, têm ditado uma quebra fatal de tiragens e de audiência.

O declínio, agora confirmado, do centenário Diário de Noticias corresponde a uma debilidade estrutural, há muito pressentida, espelhando uma crise maior que afecta outros jornais, em luta pela sobrevivência. Têm dificuldade em sacudir um autismo complexo, não raramente atravessado por um ‘jornalismo de causas’, desligado das realidades.

O episódio mais recente do despedimento colectivo no DN configura um destino que estava escrito nos astros. Com dezenas de jornalistas dispensados, o jornal tornou-se o epicentro de um tornado, que varre o histórico edifício da Av. da Liberdade, atingindo, também, todo o antigo grupo Lusomundo, moldado pelo coronel Luís Silva.

Foi ele, quem – verdadeiramente –, ganhou com o negócio dos media, e saiu dele sem nunca ter assumido a menor vocação de ‘patrão de imprensa’. 

Vale a pena um breve recuo histórico. Em finais da década de 80, debatia-se a privatização dos jornais ainda detidos pelo Estado – por arrasto das nacionalizações revolucionárias anteriores ao 25 de Novembro de 1975. 
Pressionado, o Governo de Cavaco Silva precisava de encontrar compradores para títulos parqueados no sector público, situação que perdurava mas já era desaconselhada pelo mais elementar bom senso.

Foi nesse contexto que surgiu o ‘golpe de asa’ de Luís Silva, com fama de ter salvo um negócio problemático de família, os Filmes Lusomundo. 

Intuitivo e frio, percebeu depressa que os jornais a privatizar ofereciam uma oportunidade de ouro.
Acertou em cheio. Primeiro o JN, depois o DN, deram-lhe o lastro  para  juntar  os  media  aos  filmes e ‘engordar a galinha’. Depois, bastou-lhe encontrar um interessado com apetite para os conteúdos e forte liquidez. O que saíra do

Estado voltava ironicamente ao perímetro do Estado, através da Portugal Telecom.

Com essa venda, Luís Silva – um açoriano desenraizado, com carreira na Força Aérea –, fez fortuna, cumpriu o seu desígnio e recolheu aos bastidores, tão discreto como chegara ao palco, deixando à PT o embaraço de gerir um universo que não dominava e pelo qual pagara bom preço.

O  filme  –  cujo  guião  é  uma  escrita inacabada –, entrou há muito  na  fase  crítica.  Seria  interessante saber, por exemplo, o que ganhou ou perdeu a PT quando se desfez do grupo, entregando-o a um sindicato bancário, por interposto Joaquim Oliveira, um homem do futebol com ‘jogo de cintura’ para outros ‘jogos’…

Agora, acossada pelos critérios da  troika,  a  banca  precisou  de limpar  os  balanços  e  de  encontrar gente disponível para tomar conta  de  ‘imparidades’  sem  resgate  à  vista.

Daniel Proença de Carvalho emergiu, novamente, como um homem providencial, por escolha  dos  novos  accionistas do DN. Mas o despedimento colectivo que protagonizou não é um emblema que lhe fique bem na lapela.

A imprensa, com raras excepções, não soube reinventar-se e ajustar-se às novas ferramentas tecnológicas, aproveitando as janelas de oportunidade servidas por uma panóplia de plataformas inovadoras. 
Pelo contrário: ficou mimética, abusou  da  tabloidização  e  das ‘causas fracturantes’, tornou-se umbiguista e descuidou o perfil dos  seus  leitores,  como  se  estes fossem  abstracções.

A má sina do DN (onde Saramago pontificou – quase destruindo o jornal nos fervores revolucionários sob a batuta do PCP –, com direito, mais tarde, a honrarias e homenagens absurdas, prestadas por gente sem memória), não será, provavelmente, caso único. Na calha, estarão outras mudanças profundas, por enquanto invisíveis, à espera  do rescaldo  do  incêndio que  lavra  em  casa  alheia.

Com o sacrifício de mais jornalistas, não faltarão gurus apostados  em  defender  que  os  diários em  papel  se publiquem  apenas ao fim de semana, passando a ser editados de segunda a sexta-feira em versão on-line. 

O digital veio para ficar. Há novos projectos noticiosos, alojados on-line como suporte exclusivo, e em breve, beneficiando da tecnologia disponível, a internet ditará as suas leis, atraindo uma fatia progressivamente maior do investimento publicitário.

Emerge um novo paradigma. Há experiências promissoras a par de ideias difusas e mal amanhadas .
O futuro, para alguns, chegou cedo demais. E a imprensa não pode votar vencida, cativa do seu labirinto. Se não se reencontrar em breve, ninguém lhe reza uma novena pela salvação.