Riscos de deflação?

A inflação homóloga para o conjunto da área do euro (AE) caiu de 3% em Novembro de 2011 para 0,5% em Maio de 2014. O crescimento na área é anémico e a criação de crédito frágil. É pois natural que a questão se coloque. Sinal dessa preocupação é também a caixa com o título acima,…

Um valor negativo da taxa de inflação num dado trimestre pode ocorrer por factores mais ou menos furtuitos, que não correspondem a uma dinâmica sustentada e generalizada dos preços. O índice de preços pode entrar em terreno negativo devido, por exemplo, a um episódio de queda acentuada mas transitória do preço das matérias-primas, como ocorreu em 2009. Em contrapartida, nas experiências deflacionistas mais acentuadas e claras do pós-Segunda Guerra – Japão e Hong-Kong – a inflação global negativa prolongou-se por vários anos (de 1995 a 2013 num caso e de 1999 a 2004 noutro) e essa queda de preços foi partilhada pela maioria das rubricas que compõem o índice global.

Com esta distinção em mente, o BCE, na sua avaliação dos riscos de deflação na AE, adopta uma definição que considera que existe deflação quando o índice global de preços cai durante um período de tempo razoavelmente longo e essa evolução é generalizada a um número significativo de componentes do índice. Neste quadro, o BCE nota que a percentagem de rubricas do índice de preços com uma taxa de variação negativa não é anormalmente elevada (cerca de 28%, comparando com os quase 35% de 2009 ou com valores acima dos 20% nos picos anteriores) e, ainda, que as expectativas de inflação de médio e longo prazo têm permanecido ancoradas nos 2%, o target do BCE, sugerindo que os agentes antecipam um aumento gradual da inflação. Assim, o Banco conclui que o risco de deflação para a AE como um todo é remoto.

Não obstante esta me parecer ser uma avaliação razoável dos riscos globais, não pode escamotear algumas considerações. A primeira é que nada na análise sugere que a inflação na AE não possa permanecer, ainda que positiva, vários anos bastante abaixo dos 2% – o valor definido como compatível com a estabilidade do nível de preços. A segunda é que uma média baixa para o conjunto da área pode implicar taxas negativas para as economias que necessitam de registar ganhos de competitividade, como a portuguesa. Finalmente, a melhor forma de acelerar o regresso à ‘estabilidade de preços’ poderá ser o BCE comprometer-se (ainda que temporariamente) com uma meta bem acima dos 2%.