As livrarias imprevisíveis

Há dias dirigi-me a uma livraria para adquirir um exemplar de História Insólita do Mundo. O título é enganador: não se trata de uma narrativa que conte a História universal sob um ponto de vista surpreendente, mas antes de uma colecção de factos anedóticos, incríveis e bizarros – e ainda assim verdadeiros –, despejados mais…

Acontece que, no dia do aniversário, um sábado, me dei conta de que tinha esquecido o embrulho no local de trabalho. E foi então que me dirigi a uma livraria de uma grande cadeia. Não o encontrando na secção, pedi ajuda ao empregado. «Não temos», disse-me. Já atrasado para o almoço, fui a uma segunda livraria. Também não estava disponível. Intrigado, perguntei porquê. «Esse livro já foi publicado há mais de um ano», esclareceu o rapaz, como se estivesse a referir-se a um acontecimento ocorrido há mais de um século. «Tirando casos excepcionais, só temos livros mais recentes». Cheguei a casa do meu amigo atrasado e de mãos a abanar. Expliquei-lhe vagamente a situação, mas não sei se fui convincente…

Fiquei a matutar no assunto e apercebi-me de que há um certo tipo de livrarias que estão cada vez mais desinteressantes, previsíveis e parecidas umas com as outras. Apostam tudo nos livros do momento, segundo uma hierarquia para mim misteriosa:este romance erótico tem direito a monopolizar a montra; aquele policial tem uma bancada só para ele; o novo livro de crónicas de fulano fica com uma pilha de um metro de altura; os contos de sicrano perfazem uma dúzia de volumes. Um enjoo.

Em compensação, tudo o que tenha mais de um ano é banido, afastado, para abrir espaço para o último best-seller, que por sua vez também não aguentará muito tempo. As leis do mercado – e a quantidade exagerada de livros que se publicam – assim o exigem.

É por estas e por outras que cada vez mais aprecio as visitas ao alfarrabista. Tudo começou quase por acaso. Inicialmente, faziam-me confusão os livros velhos, manuseados sabe-se lá por quem, com as páginas amarelecidas pelo tempo. Mas aos poucos comecei a encontrar livros que me interessavam, ou apenas curiosos, e de vez em quando até aparecia algum que me escapava há já bastante tempo. Sempre a preços que podia suportar. 
A páginas tantas, já estranhava os livros novos, como se lhes faltasse alguma coisa.

Quando surgiu na minha vida um outro tipo de responsabilidades – e de despesas – foi graças ao alfarrabista que pude continuar a adquirir livros. Percebi nessa altura que a insatisfação é intrínseca ao ser humano: quando há algo de que gostamos muito – sejam livros, caixas de fósforos ou garrafas de vinho – não nos satisfazemos facilmente. Queremos sempre mais, precisamos de novidades e acolhemo-las com a mesma alegria com que uma criança desembrulha um presente.

As visitas ao alfarrabista tornaram-se mais frequentes, permitindo-me ir satisfazendo o meu apetite, que por vezes é considerável. Ao contrário do que acontece nas livrarias comuns, nunca sei o que vou encontrar. Mas sei que, se desperdiçar uma oportunidade, da próxima vez o livro desejado poderá já não estar lá à minha espera. Será preciso dizer que isso torna tudo ainda mais excitante? 

jose.c.saraiva@sol.pt