Manual de etiqueta

Acusam-me de escrever muito sobre moda. Podem continuar. Na semana que passou houve uma notícia que abalou o mundo, daquelas que fazem chorar as pedras da calçada e que fazem quem não pensa sobre escravidão em pleno século XXI, pensar um bocadinho.

É do domínio público que sou defensora de um consumo consciente em qualquer sector; e embora não viva uma vida económica folgada (muito pelo contrário), tento sempre que a minha forma de consumir contribua para um mundo melhor.

Quer seja pela aquisição de produtos certificados, pela recusa de fast fashion ou pela escolha de comprar artesanal, ou produtos que fomentam as pequenas indústrias locais… De uma forma ou outra, acabo sempre por optar pelos processos mais difíceis e por vezes dispendiosos ao meu alcance. Porque acredito no karma e no seu regresso profético ao self.
Digo difíceis porque em termos práticos é muito difícil lidar com a não-pertença deliberada ao consumo de massa, cuja posição no mercado é tão vasta, fácil e evidente, que é normal que esta obstinação se torne numa batalha por vezes impossível de travar sozinha. Mas vou tentando.

A notícia de que vos falo é a da rapariga inglesa que comprou um vestido na Primark por £10 e ficou surpreendidíssima ao descobrir que o vestido vinha com uma etiqueta bordada à mão com a frase ‘Forced to work exhausting hours’.

Há alturas em que surgem notícias como esta, que abalam as estruturas de quem vive o dia-a-dia sem reflectir sobre as consequências dos seus actos mais simples. A teoria do caos aplica-se ao quotidiano mais do que se pensa, e se antes este género de notícias eram abafadas pelo poderio hegemónico das grandes multinacionais, hoje estas notícias fazem as delícias da viralidade dos sites sedentos de novos conteúdos polémicos: com a mesma facilidade com que se alimenta a polémica, limpa-se a imagem das marcas através de comunicados básicos e demagógicos à mesma fonte.

Concomitantemente, envenena-se a água do poço e limpa-se a mesma dois minutos depois, com um antídoto super-poderoso pré-existente e faz-se um brilharete.

Desconfio muito disto, e embora a denúncia numa etiqueta bordada à mão me pareça mais uma expressão artística de guerrilha do que propriamente uma denúncia feita por um trabalhador escravizado em condições infra-humanas, não deixo de acreditar que, de alguma forma, há finalmente um ataque dirigido a uma instituição diferente: o consumidor. Se esta é uma manobra de marketing através de uma contaminação interna e de um posicionamento intencionalmente negativista e diferenciador no mercado, não sei. O meu lado céptico conduz-me no sentido da dúvida e da questão até aos limites da especulação, o meu lado poético leva-me a um bom selvagem e faz-me acreditar numa ideia romântica de sacrifício como caminho para a libertação.

Recuso-me a comprar fast fashion e outro tipo de produtos que fomentam políticas de produção um bocado mais baças desde que li o No Logo, da Naomi Klein.

Até à data os protestos a favor do comércio justo eram apontados ao alvo errado, contra quem explora os trabalhadores, e não contra quem compactua com o sistema ignorantemente, pelo simples facto do sistema estar talhado de forma muito inteligente para que ninguém deseje compadecer-se de nada na hora de poder optar rapidamente e sem compromisso por um artigo que preenche vários requisitos de uma só vez: actualidade, boa relação qualidade-preço, disponibilidade imediata e efeito instantâneo.

Surpreende-me como é que ninguém se questiona acerca da origem destes preços, porque a verdade é que os consumidores de produtos demasiado baratos não são apenas pessoas com possibilidades económicas reduzidas ou poucos estudos. Somos todos nós. Uma peça de roupa fast fashion, em saldos e ainda com margem de lucro para a marca é mais barata que uma refeição. Ora bem, se a lei da oferta e da procura faz parte do curriculum do ensino obrigatório, por que não se pensa mais nas consequências da escolha? É importante fazer ver que não é só o trabalhador explorado que sofre com a aquisição de um produto produzido em condições duvidosas: é todo um sistema económico de criação, manutenção e fomento de postos de trabalho com remunerações justas. 

joanabarrios.com