O matemático do amor

Se tivesse à mão os versos de Herberto Helder, “Cantar? Longamente cantar,/Uma mulher com quem beber e morrer”, talvez tudo fosse mais fácil.

Mas Chris McKinlay tinha a arte que sabia moldar, não a mestria das palavras, mas a dos números. Assim, o léxico do recluso poeta português poderia ser mudado para 'Contar? Longamente contar' e adaptar-se às demandas amorosas deste matemático norte-americano de 36 anos.

Enquanto preparava a sua tese, em 2012, solitário perante o ecrã de computador, ia dando uma olhadela ao seu perfil alojado num site de encontros amorosos, o Ok Cupid. Se a matéria numérica dava resultados, a do coração nem por isso. McKinlay começou a perceber que era apenas mais um número perdido na selva dos algoritmos – a base destes sites – e teve uma epifania quando percebeu que aquele problema era, no fundo, parecido com as séries numéricas que andava a estudar.

Decidiu então demorar-se mais tempo com o problema da estatística do amor, e a tese teve de esperar. “Uma noite ocorreu-me que a forma como as pessoas respondiam às perguntas do Ok Cupid gerava um grande conjunto de dados muito parecido com aquele que estava a estudar”, confessou ele ao diário britânico The Guardian. “Não é que não gostasse antes do site, mas percebi que havia ali um problema interessante”. A experiência – a matemática e a sentimental – está relatada no livro Optimal Cupid, lançado este ano.

Pôs então mãos à obra. Se a primeira experiência, sem intervenção, lhe valeu uns ridículos seis encontros em meses, Chris McKinlay iria em breve ter dificuldade, mas para conseguir alinhar o seu tempo com o das jovens que conhecia diriamente sem ter de se clonar. O site sugere a compatibilidade por percentagem, o que é garantido pelo tipo de respostas a uma série de perguntas padronizadas. 

A questão para McKinlay, desde logo, era de encontrar, através do poder da estatística, quais os conjuntos de perguntas e de respostas mais adequadas ao novo perfil que entretanto tinha criado. Para melhor fazer as contas, adicionou dezenas de outros perfis seus, falsos, apenas, explica a revista Wired, para afinar melhor a procura.

À medida que esses perfis falsos iam sendo apagados – o site consegue, ao fim de algum tempo, detectá-los e eliminá-los automaticamente -, McKinlay já tinha reunido grupos mais restritos de temas e um aumento considerável de respostas e perguntas dirigidas ao seu perfil. Em três semanas, a recolha tinha-se saldado em seis milhões dessas respostas, de 20 mil mulheres de todo o país.

Começou então a trabalhar esses dados, a encontrar padrões de candidatas e ao fim de algum tempo dividiu-as em dois grupos para melhor afinar a procura. Um deles, o das artistas e músicas na casa dos 20 e poucos anos, foi eleito por McKinlay como o 'grupo de ouro'.

A curiosidade delas aumentou. Veio o primeiro encontro, Sheila era a eleita, mas, segundo o que o matemático confessaria à Wired, andava a ler Proust e estava um pouco “deprimida”.

A partir de certa altura, McKinlay ficou preocupado – os encontros sucediam-se, às vezes a um ritmo de três por dia, seleccionados depois de uma média de 20 convites.

Até que, ao encontro 88, chegou a tal. Christine Tien Wang, de 28 anos, apresentava-se como estudante de artes ali bem perto, na mesma universidade de McKinlay. O grau de compatibilidade era muito bom, de 91%, mas não faria supor a chama que se seguiu. Afinal, algumas das pretendentes chegavam aos 99%. O matemático admitiu que, para ele, fora à primeira vista. Ou ao primeiro bit. Ao fim de três saídas, contou-lhe a história toda. Christine ficou obviamente impressionada: “Achei que era cínico, mas gostei”. 

Hoje estão com uma relação à distância, já que ela foi estudar para fora. Mas planeiam casar-se.
Há um detalhe, nesta história, que serviu de mais valia ao perfil de McKinlay. Antes da matemática, que só abraçou depois dos 30, ele era tradutor de chinês numa empresa nova-iorquina. Recém-licenciado, trabalhava nas Torres Gémeas. A 10 de Setembro de 2001 trabalhou até tarde, o que o levou a ter algumas horas mais para dormir a 11, quando entraria no escritório depois das 14h00. Evidentemente, não voltou a entrar ao serviço, tendo sobrevivido aos ataques de 11 de Setembro.

O episódio marcou-o de tal forma que desistiu de tudo para seguir uns amigos do MIT que tinham como hobby jogar blackjack num circuito entre Nova Iorque e Las Vegas. O jeito para as probabilidades e estatística revelou-se aí, em anos em que chegou a ganhar mais de 40 mil euros. Largou o jogo por outra epifania, a matemática, e tornou-se professor – e Cupido virtual – até hoje. 

ricardo.nabais@sol.pt