(Mais) Uma Oportunidade Perdida

Poder mudar funções desempenhadas, horas trabalhadas ou o local físico de trabalho seria mais útil no contexto em que estamos.

Foram recentemente apresentadas pelo Governo aos parceiros sociais alterações à legislação laboral que visam combater a falta de flexibilidade nesta área, frequentemente apontada como um dos principais entraves ao aumento da nossa (baixa) competitividade, a um superior dinamismo económico e a uma maior criação de emprego: nos rankings do World Economic Forum, do Institute for Management Development ou do World Bank (Doing Business), por exemplo, a vertente laboral é daquelas em que aparecemos mais mal posicionados.

A proposta do Governo concentra-se em (i) embaratecer o custo dos despedimentos, quer para colaboradores nos quadros das empresas, quer para contratos a prazo – indo ao encontro dos apelos recorrentes de instituições internacionais, como a OCDE ou o FMI, que os justificam com o impacto positivo que alterações desta natureza (em conjunto, claro está, com reformas noutras áreas) teriam sobre o fraco potencial da economia, o nosso grande problema estrutural; (ii) criar um fundo autónomo obrigatório de apoio ao pagamento das indemnizações, a suportar pelas entidades empregadoras. Trata-se, em minha opinião, de medidas que não atacam o problema como deviam. Vejamos.

Em Portugal, o regime de despedimento no caso dos contratos sem termo (colaboradores integrados nos quadros das empresas) é o mais caro dos países da Europa que pertencem à OCDE: o valor da indemnização a pagar é, em média, de 30 dias de salário por ano trabalhado e não existe limite máximo para a indemnização. Áustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, Itália, Holanda e Polónia são países em que não há lugar a qualquer indemnização por despedir. Nos restantes, o valor varia entre 4,5 dias de salário por cada ano de casa e um limite máximo de três meses (Eslováquia e República Checa), e 20 dias de salário por ano de trabalho e um limite de 12 meses em Espanha. A proposta do Executivo pretende, pois, igualar as nossas condições de despedir às praticadas em Espanha – o regime mais desfavorável (a seguir ao nosso). Ora, se é para alterar, então por que não alinhar com a média europeia?… O ponto é que, em geral, uma maior facilidade no despedimento resulta numa maior facilidade à contratação: em Portugal, quem perde o emprego demorava, em 2009, em média, 22,2 meses (isto é, quase dois anos!…) a encontrar outro; no entanto, esse mesmo tempo era, no mesmo ano, de 11,3 meses em Espanha, de 11,9 meses (em média), na Europa e de 8,7 na OCDE (para já nem falar dos 5,6 meses nos EUA, quatro no Canadá ou 1,7 na Austrália, países em que a flexibilidade laboral é bastante maior do que em Portugal).

Depois, estas medidas apenas se vão aplicar aos novos contratos – criando uma distorção no mercado de trabalho e não incentivando a mobilidade de quem já está empregado (inibindo, portanto, a mudança, o progresso e o dinamismo da actividade). Creio que podia ter sido pensado um regime de transição: para quem já trabalha, por exemplo, reduzir anualmente um dia de salário por ano trabalhado, até atingir os 20 dias agora propostos. E fazer convergir, também, a indemnização a receber para o limite que agora se sugere (1).

Por outro lado, propõe-se que as empresas devam começar já a suportar os custos com o novo fundo de onde sairá parte das indemnizações a pagar (entre 40% e 50%). Uma péssima solução na conjuntura actual: numa altura em que a sobrevivência é difícil, impor gastos maiores às empresas é sinónimo de menos contratações – e, provavelmente, de mais falências… ou seja, com impacto negativo no mercado de emprego.

Mas, para além disso, numa conjuntura em que o desemprego está em níveis recorde, podia-se ter pensado em iniciar a flexibilização das leis laborais noutros campos que são tão ou mais essenciais para a competitividade das empresas. É o caso da flexibilidade funcional, horária ou geográfica. Poder mudar as funções desempenhadas, poder variar o número de horas trabalhadas (semanalmente, por exemplo) consoante as necessidades de produção, e poder alterar fisicamente o local de trabalho são mudanças que, do meu ponto de vista, muito viriam beneficiar a nossa competitividade na vertente laboral (2). Não se podia ter começado por aqui?… Podia, claro… Porém, sobre isto, a proposta conhecida diz… zero.

Sabe-se que mexer na legislação laboral levanta sempre enorme contestação social e tem elevados custos políticos – e, por isso, quaisquer alterações a introduzir devem ser dirigidas a maximizar os potenciais e tão necessários benefícios económicos daí resultantes. O que, em minha opinião, não sucede com as mudanças acima referidas. Como em tantas outras ocasiões, mais uma vez, a ideia que fica é que houve, da parte do Governo, pouco cuidado na proposta apresentada. É pena. Porque se está a perder (mais) uma oportunidade para fazer o que Portugal bem precisa.

(1) Também nos contratos a prazo o Governo pretende baixar o custo com indemnizações – igualando este regime ao dos contratos sem termo, ou seja, eliminando (bem) a discrepância hoje existente quando consideramos mais de um ano de trabalho: actualmente, as indemnizações por despedimento em contratos a prazo representam três dias de salário por cada mês até seis meses na empresa, e dois dias para quem estiver mais tempo em funções neste regime (assim, até um ano de antiguidade, o regime é igual ao dos contratos sem termo; a partir daí, é desfavorável); a proposta do Governo prevê passar a indemnização a 1,66 dias de remuneração por mês de antiguidade em ambas as situações (ou 20 dias de remuneração por ano).

(2) Claro que a mobilidade geográfica deve ser precedida de uma real reforma do mercado de arrendamento, cujo funcionamento regular é fundamental para a mobilidade profissional dos trabalhadores (assegurando a convergência das rendas antigas para os valores de mercado; e garantindo que as acções na justiça tenham uma celeridade conforme com as melhores práticas europeias, o que hoje não sucede).