Os homens não choram?

Rios de tinta correram na imprensa sobre os rios de lágrimas dos rapazes da selecção brasileira no jogo com o Chile.  Vaticinou-se tragédia iminente, como se as lágrimas fossem sintoma de encolhimento dos músculos ou prova de falta de masculinidade, seja lá isso o que for.

 Certo é que a chorosa selecção pôs a Colômbia em pranto. James, a vedeta da selecção cafetera, lembrou: «Os homens também choram». Claro: a igualdade bem ordenada começa pelo direito ao riso, que implica o seu contraponto. 
Anotava o filósofo Miguel de Unamuno: «Mais vezes tenho visto um gato a pensar do que a rir ou chorar». O riso e as lágrimas são um dos fundamentos de definição do humano. Acresce que estes grandes jogadores de futebol, sobre os quais se deposita a honra das nações, são ainda e apenas rapazes, garotos sujeitos a uma pressão descomunal. 

O futebol encena o drama e a felicidade da vida, em particular nestes jogos épicos. 
Há os que trabalham em equipa e os que querem brilhar a solo; há os que jogam com transparência e brio e os que tentam ganhar através de rasteiras, procurando eliminar o adversário (o ataque de Zuñiga a Neymar é um exemplo máximo desse ‘método’). 

O que cada um é torna-se evidente – e dessa evidência fazem parte o riso e as lágrimas, os insultos e os abraços. A verdade torna-se visível, arredando ideias-feitas, como essa que associa a virilidade à capacidade de suster as lágrimas. 

Nesta era de suposta fluidez e abertura às múltiplas possibilidades da existência, subsiste uma quantidade enorme de tabus e preconceitos sobre as relações humanas. 

A ideia-feita «os homens não choram» pertence à casta dos axiomas estúpidos e inabaláveis que inclui pérolas como: «não se deve dar confiança aos outros», «trabalho é trabalho, conhaque é conhaque», «os casais não devem estar juntos o dia inteiro nem ter amigos comuns». 
Confiar é pateta, tal como considerar o trabalho como um divertimento ou não se cansar de estar com a pessoa que se ama. 

Que mundo pretendemos criar com estes ‘princípios’?
Aquele onde habitamos: um mundo dirigido por tristes e para tristes, que se alimentam exclusivamente das alegrias (sempre pobres e solitárias, instigadoras de ódios ressentidos) do poder pelo poder. 

Quando a cobardia e a traição deixarem de funcionar como atestados de esperteza; quando forem sancionadas como as verdadeiras demonstrações de incompetência que são; quando o trabalho se tornar uma extensão da partilha criativa entre as pessoas e as relações dispensarem leis de afastamento – então conseguir-se-á, talvez, não só viver com outro gosto e outra intensidade mas, sobretudo, estabelecer os limites éticos cuja ausência tanto lamentamos, sem que nos ocorra defini-los e defendê-los. 

A capacidade de acreditar no próximo é o princípio basilar de qualquer construção humana; 
As lágrimas e o riso sinalizam os sonhos e sentimentos que nos levaram à Lua e à luz eléctrica.
Fracos são os que não choram nem crêem, e que apenas amarelecem de raiva, entre conspirações sucessivas e inúteis. 
No fim, todos seremos pó; mas os que foram gente antes de regressarem ao pó iluminarão este mundo muito depois de mortos. 

Dos Zuñigas não reza a História, ao contrário dos Neymares, por mais que tentem dobrar-lhes a espinha.