Portugueses no mundo

Erica Fontes tem 21 anos e protagonizou a sua primeira cena pornográfica aos 18. Foi a primeira portuguesa a conquistar o prémio XBIZ, atribuído pela associação de filmes para adultos dos Estados Unidos. A nacionalidade da vencedora levou a um destaque insólito na imprensa portuguesa. 

Não duvido dos talentos desta portuguesa que triunfou no estrangeiro. É mais uma prova de que o talento nacional só obtém o reconhecimento que merece fora do país. Não sendo especialista neste género cinematográfico, pergunto quais serão as qualidades de Erica para ser primus inter pares. Confesso que a atribuição do prémio me intrigou porque não sei que contributo qualitativo terá trazido a esta indústria competitiva e popular (embora monótona). Uma possibilidade é Erica ser de uma perspectiva interpretativa melhor do que as outras. Mas como? Mais subtil? Mais dramática? Mais natural? Não faço ideia. Fará parte da minha lista de perguntas nunca respondidas.

A ficção da ficção

Martin Freeman, o Watson de Sherlock, estreou como Ricardo III num teatro em Londres e foi um escândalo. Desde Now is the Winter of our Discontent que foi recebido com aplausos que horrorizaram críticos e público. Os jovens, pouco habituados ao teatro, foram responsabilizados pelo incidente. Ficaram descontrolados quando viram o Hobbit no papel da personagem cruel de Shakespeare. Já antes, Jude Law tinha interpretado o papel de Ricardo II, mas não terá provocado uma reacção parecida. Freeman, além do público juvenil que conquistou com o mencionado Hobbit, tem outro público que valoriza a sua ironia inata. Quem assistiu à grande série Fargo, em que faz de Lester Nygaard, um sociopata cândido e amoral, percebe a capacidade demoníaca do actor de provocar complacência mesmo nos seus actos mais repugnantes. No próximo Verão, Benedict Cumberbatch vai interpretar Hamlet no Barbican. Vai ser preciso amordaçar as mulheres presentes no teatro. 

Liberdade de vestir

Não entendo os comentários contrários à proibição da burca e do niqab em França que se baseiam na liberdade de cada pessoa se vestir como entender. Antes de mais, penso que é importante perceber a realidade francesa e os conflitos com as crescentes comunidades muçulmanas. Mas se quisermos sair de França, talvez devamos reflectir sobre por que razão uma mulher se quer tapar da cabeça aos pés num país que não defende os mesmos valores que a levam a ter essa ‘vontade’. Como se coaduna o desejo de se ausentar do espaço público, andando no meio da rua sem ninguém a ver, com a vontade de viver em países livres? O que pretendem afinal estas pessoas se rejeitam os costumes dos países onde vivem? Não quero salvar senhoras que querem andar de burca nem cavalheiros que entendem que essa vontade é tão natural como a sua sede. Só pretendo chamar a atenção para a sua decisão errada de viverem em países que não têm de mudar por causa dos seus desejos. 

O grande canhoto

Por motivos estritamente conjugais, tenho visto a televisão argentina desde o início do Mundial. No canal público, transmitem diariamente um programa chamado De zurda, que se pode traduzir por ‘Com a esquerda’, que consiste em entrevistas a Diego Maradona por Victor Hugo Morales, uma velha glória da rádio argentina. O ponto de vista de Maradona é sempre estimulante. Sobre um passe de Messi, disse que «só poucos de nós podemos fazer essa ‘curva’ que engana». Sobre o castigo a Luís Suárez, o uruguaio que mordeu um italiano, declarou que era um exagero e que partir uma perna era mais barato. As suas opiniões são pessoais, o que significa que são insolentes e parciais. Quando elogia um jogador, parece que o elogiado tem direito ao Panteão. Quando condena, é implacável, como aconteceu no comentário sobre o árbitro espanhol do Brasil-Colômbia. As suas acusações contra a FIFA e a AFA (Federação Argentina de Futebol) fariam corar Arménio Carlos. 

Ainda bem

O escritor Grégoire Delacourt escreveu um romance intitulado La Première Chose Qu’on Regarde. O livro vendeu cem mil exemplares, foi traduzido e o autor acaba de perder um processo por difamação instaurado pela actriz Scarlett Johansson. A protagonista do livro era descrita como Scarlett Johansson e a sua vida amorosa era atribulada. A Scarlett de ficção, uma modelo francesa, tinha dois affaires que a Scarlett de carne e osso nunca teve e foi esse pormenor descrito em quatro frases que levou a actriz a acusar o romancista de explorar a sua imagem para fins próprios. A ideia de Delacourt era adaptar o livro ao cinema, mas um tribunal francês deu razão às queixas da actriz norte-americana e proibiu a adaptação cinematográfica, mas não lhe deu razão nos 50 mil euros de indemnização exigidos. O autor ficou amuado com a decisão e ofendido por Scarlett não perceber que lhe estava a fazer «uma homenagem». Ainda bem que isto aconteceu em França.