Mira Amaral: ‘Angola não é tábua de salvação para empresas falidas’

Numa entrevista sobre a relação entre Portugal e Angola, o presidente do Banco BIC Portugal defende parcerias com capitais mistos. Compreende que os empresários angolanos gostem de discrição: num país ainda com desigualdades, é de “natural bom senso” que não se exibam.

O que é que Portugal ganha com os investimentos angolanos?

O país precisa de investimentos estrangeiros como pão para a boca. O capital estrangeiro é bem-vindo em Portugal e o angolano também. O Governo angolano quer que o capital estrangeiro que vá para Angola ajude a criar capacidade empresarial e a formar os quadros. Uma maneira é fazer joint-ventures com empresários angolanos. Quando um angolano vem a Portugal arranjar um parceiro, obviamente que ele também será o seu parceiro natural em Angola. É do interesse mútuo. Gostaria que não fosse só o angolano a investir em Portugal ou o português a investir em Angola. Gostaria que houvesse investimentos mistos. O BIC português é exemplo disso: é capital misto luso-angolano, apesar de os jornais dizerem que é um banco angolano, o que não é verdade.

Portugal é uma porta de entrada do investimento angolano na Europa?

Não podemos dizer que temos o monopólio da porta de acesso ao mundo ocidental. O que podemos dizer é que os angolanos sentem-se à vontade aqui. E têm uma qualidade de acolhimento que talvez não tenham noutros países.

O grosso do investimento em Portugal está feito ou pode haver mais?

Há sempre espaço para mais. A economia angolana está a crescer 7% ou 8% ao ano. Os grupos económicos angolanos estão a ser construídos e a fortalecer-se. Não se pense que, para quem está falido em Portugal, a tábua de salvação é Angola. Um investimento fora é um investimento de expansão, só tem capacidade de 'se safar' em Angola uma empresa que em Portugal esteja bem.

Angola pode ajudar Portugal a sair da crise?

Nós é que temos de nos salvar a nós próprios. Não é uma tábua de salvação, mas é um mercado muito importante para Portugal. Exportamos mais para Angola do que para os Estados Unidos. Isto demonstra que às vezes há produtos portugueses de grande qualidade intrínseca, que não é percebida pelos americanos, mas é  pelos angolanos.

Quais as vantagens que estar nos dois países traz a uma empresa?

A presença da banca portuguesa em Angola foi um factor de ajuda aos empresários portugueses. Quando um empresário angolano vem para Portugal, desejo sempre que sejam clientes do Banco BIC em Angola e que, chegando cá, passem a ser clientes do BIC Portugal. A presença de banca facilita a ida de empresas para Angola como vai facilitar a vinda de empresas de Angola.

Os investimentos podem melhorar as relações políticas entre os dois países?

Não têm uma relação de causa-efeito mas estão ligadas. Quando os governantes portugueses conseguem criar um bom clima político com Angola, isso facilita as ligações empresariais. A partir do momento em que uma empresa angolana está em Portugal, não é do seu interesse deteriorar as relações porque já tem aqui activos. Naturalmente, os agentes económicos vão contribuir para as relações políticas.

Um ministro angolano chegou a desabafar que nem sempre os investimentos angolanos são bem vistos em Portugal. Concorda?

Acho que se limitou a citar o que veio nos jornais portugueses. Não acho que seja a reacção do povo português, mas há sempre meia dúzia de pessoas que gostam de dizer essas coisas. E eles sabem, porque quando chegam cá e têm contacto com os grupos económicos, isso não se passa. Às vezes os jornais falam das compras dos angolanos na Avenida da Liberdade… Devíamos respeitar a sua privacidade e ficarmos muito satisfeitos por gastarem dinheiro cá em vez de irem para outros países.

Os empresários angolanos são muito discretos nos investimentos. Como vê estas reservas?

Também conheci muitos empresários portugueses que estavam a exportar e não queriam aparecer nos jornais. No caso de um empresário angolano, que faz parte de uma elite num país que ainda tem desigualdades grandes, o natural bom senso diz-lhe para não se exibir na praça pública.

E como é que os empresários portugueses são vistos em Angola?

Sempre fui muito bem recebido. Os empresários portugueses que vão para Angola criar valor, emprego e dar know-how, são respeitados. Mas à pessoa que sai daqui falida e vai lá para 'se safar', se calhar não ligam nenhuma. O único problema que ainda não está totalmente resolvido é o dos vistos.

joao.madeira@sol.pt