João Galamba: ‘António Costa veio criar uma grande convergência de aflitos’

Diz que Seguro aceitou a versão da crise dada pela direita e que o país não quer uma “cópia do Governo”. E refere que só por “desespero” os apoiantes de Costa são apelidados de socráticos.

Em Fevereiro, numa entrevista à TSF, rejeitava que os maus resultados das sondagens fossem um problema de liderança. O que mudou?

Foi a própria direcção do PS que transformou as europeias numa espécie de primeira volta das legislativas, onde apresentou as linhas gerais do programa de Governo. Nunca pensei que o resultado fosse tão negativo, sobretudo com as apostas e o desafio que a direcção do PS se colocara. Os portugueses foram muitíssimo claros sobre o que pensavam. 

Foi, então, um problema de liderança?

Foi um problema de liderança e de programa político. 

Em que é que António Costa é melhor do que António José Seguro?

Tem uma experiência que António José Seguro não tem e uma capacidade agregadora e mobilizadora. São das suas principais características e é disso que o PS precisa neste momento e que, com esta direcção, não tem. Há outras vantagens programáticas e ideológicas em que me revejo mais, sintetizadas numa frase: 'Se pensarmos como a direita, acabaremos a governar como a direita'. Um dos problemas desta direcção é aceitar implicitamente o que a direita diz sobre as causas da crise, sobre os Governos do PS e as razões por que o programa de ajustamento foi necessário. Se aceitarmos que a direita tem razão e que chegámos aqui por despesismo, insustentabilidade do Estado Social, perda de competitividade associada a um crescimento excessivo dos salários – que são, de forma simples, as causas que o Governo defende -, se não contestarmos isso, não conseguiremos construir uma verdadeira alternativa. Essa é uma grande vantagem da candidatura de António Costa: não se resignar à história que a direita conta sobre o país. 

Por que acha que Seguro optou por não defender o legado de Sócrates?

No início, achei que era uma opção táctica, admitiam essa luta como perdida. Mas essa opção fragilizou o PS. Os últimos acontecimentos, confirmados no debate do estado da Nação, quando o primeiro-ministro disse que viu com interesse declarações recentes do secretário-geral e alguns apoiantes dizendo que 'afinal, concordamos que foram as políticas despesistas do passado que nos trouxeram aqui', mostram que o PS acredita nisso por convicção e não só por cálculo político-eleitoral. Aí o problema é grave. A última coisa que os portugueses querem é uma cópia do actual Governo. 

A candidatura de Costa é conotada com a ala socrática e os erros do passado. É uma desvantagem? 

Pessoas que honram e são fiéis à história do seu partido nunca o podem envergonhar. A tentativa um pouco incompreensível de Seguro, não tanto do secretário-geral mas de alguns apoiantes, de mimetizarem ipsis verbis o discurso adversário sobre a governação do PS diz mais sobre quem recorre a essas tácticas do que sobre António Costa. Melo e Rangel repetiram ad nauseum essa expressão [socráticos] nas europeias. Os socialistas que recorrem a essa narrativa fazem-no por desespero e deviam pensar duas vezes antes de recorrer àquilo que os nossos adversários dizem de nós como arma política numa luta dentro do PS. Quem sairá a perder será, seguramente, quem faz essa opção e não Costa. 

Melo e Rangel recordaram Sócrates. Há um medo em relação a Costa nos outros partidos? 

Parece-me evidente que há medos diferentes de todos os partidos. A maioria, depois das europeias, ficou a pensar que, afinal, até podia ganhar as próximas legislativas; a entrada em cena de Costa muda radicalmente esse cenário: António José Seguro, por razões evidentes, pode deixar de ser líder do PS e candidato a primeiro-ministro. O PCP estava confortável com esta situação, porque tinha crescido à conta do PS e interessava-lhe mais um PS fraco, que não mobilize ninguém. E o BE também sente medo de Costa, que secou completamente o BE em Lisboa, a cidade onde teoricamente o BE é mais forte. A entrada em cena de António Costa veio criar uma grande convergência de aflitos nos outros partidos.

Costa deve renunciar ao mandato em Lisboa?

Não vejo porquê. Há vários líderes de partidos que também desempenharam funções executivas em câmaras ou noutros sítios, há precedentes, como, no PS, o de Jorge Sampaio. Obviamente, se Costa for candidato a primeiro-ministro e o PS ganhar as eleiçoes, aí sim, é natural que resigne.

Fernando Medina é um bom sucessor na Câmara de Lisboa?

Gosto muito de Fernando Medina e tenho a certeza de que, se isso vier a acontecer, estará à altura das circunstâncias e dará um excelente presidente de Câmara, mas ainda há muito tempo. 

Já houve alguns incidentes na campanha. Teme que surjam mais?

Espero que não e espero que alguns dos incidentes do passado não se repitam, nomeadamente, o incidente grave de uma pessoa próxima, pessoal e politicamente, do secretário-geral e com ligações à Associação de Farmácias que apelou à fraude nas primárias. Uma dirigente que faz um apelo inquestionável à fraude – que está documentado e não foi desmentido -, não devia ser dirigente do PS. As reacções de Seguro e de membros da direcção foram, para não dizer mais, um pouco frouxas e manifestamente insuficientes. 

Teme fraudes nas primárias?

Por isso é que incidentes desta natureza são tão graves, pois minam a credibilidade das primárias e, portanto, do PS. Quero acreditar que quem se lembrou deste processo tem respeito pelos simpatizantes, pelos militantes e pelo partido para não actuar dessa maneira. Quero acreditar que o que aconteceu foram apenas incidentes que não se repetirão. Não tenho garantias de que assim aconteça, mas espero que sim.

Depois das primárias, Costa e Seguro deviam fazer um acordo?

O PS sempre foi um partido que esteve relativamente unido ao longo da sua história. Espero que este processo decorra com elevação de ambas as partes. No fim, somos todos camaradas e do PS. Agora, se houver excessos numa ou noutra pessoa, essa reconciliação tornar-se-á mais difícil. Espero que, no final, resolvidas as diferenças, encontrado um vencedor e iniciado um caminho até às legislativas que garanta uma maioria sólida, a união do PS ocorra, como sempre ocorreu, com naturalidade. 

Como fica o PS depois desta luta?

O PS só pode ficar mais forte. As sondagens são avassaladoramente favoráveis a Costa e negativas para a actual direcção. Mostram que havia uma justificação para esta disputa de liderança. Temos que travar a ideia desta crise do Governo e da direita. Precisamos de alguém capaz de liderar esse combate. O objectivo é fortalecer o PS e não derrotar ninguém. 

Se Costa for primeiro-ministro deve coligar-se à esquerda ou à direita?

O PS deve bater-se por uma maioria absoluta. António Costa já disse que, mesmo com maioria absoluta, vai procurar o apoio de outros partidos. Não há razão para excluir o PCP ou o BE deste tipo de convergências, mas também não há razão para excluir à partida o PSD ou o CDS. Prefiro convergências à esquerda porque prefiro políticas à esquerda. Se houve coisa que a crise e a actuação deste Governo trouxe foi ver pessoas tradicionalmente associadas à direita, e que até já assumiram cargos de relevo no PSD e CDS, com posições em muitas áreas que diria de esquerda ou, pelo menos, com preocupações convergentes com o PS. Não vejo porque razão devem ser excluídas de construir uma plataforma mais forte para Portugal. Isso reforçará um futuro Governo do PS. 

Concorda com a reestruturação da dívida defendida por Pedro Nuno Santos?

Tem coisas positivas e coisas sobre as quais tenho algumas dúvidas. Mas é um contributo fundamental para um debate que tem de sair das conversas de café, em que toda a gente quer reestruturar e baixar juros. O que esses quatro economistas fizeram foi explicar o que significa uma reestruturação quando levada às últimas consequências, para se ter ideia do impacto que tem. Permite desbloquear alguns constrangimentos da sociedade sobre esta matéria e iniciar um debate sério, que até hoje não tem havido. 

A direcção do PS fala antes em renegociação. É só semântica?

Renegociar é o acto que encetamos com os credores com o objectivo de reestruturar a dívida. A dívida tem uma estrutura, capital, prazos, juros. A nossa relação com os credores está estruturada de determinada forma e, por isso, não vejo como se pode renegociar se não for para reestruturar essa relação. A diferença semântica não significa nada, é apenas para muitas pessoas uma forma de fugir ao debate. Eurico Brilhante Dias já criticou violentamente a proposta e gostava de saber qual é a sua alternativa. 

Começou nos blogues, actualmente mantém-se activo nas redes sociais. Sendo deputado, tem mais cuidado?

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