Juan Carlos: Pai Incógnito

Ao anunciar a sua abdicação a favor do filho, a 2 de Junho de 2014, Juan Carlos de Borbón pôs um ponto final no reinado mais longo da história de Espanha: 39 anos. Mas também encerrou um período turbulento, marcado pela contestação à família real e pelo caso Nóos, que envolve a infanta Cristina e…

Um artigo publicado pelo El Pais em 2013 dizia: “Após a imputação da Infanta, tudo parece indicar que para a monarquia espanhola o annus horribilis vai durar mais de 365 dias”. O período havia começado 'oficialmente' com a divulgação de fotografias de uma caçada no Botsuana, para onde o monarca viajara na companhia da sua amante, a aristocrata e mulher de negócios de nacionalidade alemã Corinna zu Sayn-Wittgenstein. O problema não era apenas o enorme elefante morto atrás do Rei, era também o timing inoportuno: a real caçada (cujo custo ascendeu a 40 mil euros, suportados por um milionário de origem síria) realizou-se num momento em que Espanha vivia uma delicada situação económica. Além disso, uma queda no Botsuana provocou uma tripla fractura na anca que obrigou o Rei a sucessivas intervenções cirúrgicas ao longo desse ano de má memória para a monarquia espanhola.

Quanto ao facto de Juan Carlos ter viajado com a amante alemã, ninguém pareceu atribuir-lhe grande importância. Há muito que os seus casos amorosos são do domínio público. Em Madrid, há quem garanta que nos seus tempos áureos era comum o Rei abandonar o Palácio da Zarzuela pela calada da noite, rumo a uma das suas inúmeras aventuras amorosas, montado numa mota, para não ser reconhecido. “É habitual os membros das famílias reais e as celebridades disfarçarem-se quando estão envolvidos em actividades que não querem revelar”, diz ao SOL Andrew Morton, jornalista de assuntos reais e autor de Ladies de Espanha (Esfera dos Livros). “Tom Cruise e Brad Pitt pegam nas motas quando querem andar por aí sem serem reconhecidos. O mesmo é verdade para certos políticos franceses. E o Príncipe Harry sobe e desce ruidosamente a Kensington High Street na sua mota, por isso não me surpreenderia que o Rei Juan Carlos adoptasse um disfarce idêntico”.

Por seu lado, a jornalista espanhola Pilar Eyre, autora de Segredos e Mentiras da Família Real Espanhola (também da Esfera dos Livros), afirma que “o Rei já esteve com mais de 500 mulheres”. Colin Campbell, biógrafo de Diana, adianta que uma dessas mulheres foi a princesa Diana, com quem Juan Carlos teve um romance no Verão de 1986.

“Tal como o Presidente Kennedy durante os anos 60, Juan Carlos só pôde manter a sua vida amorosa longe dos olhares indiscretos graças à deferência da imprensa espanhola”, continua Andrew Morton. “Só nos últimos dois anos é que os media falaram abertamente sobre a tristeza da rainha e a infidelidade do Rei”. A infidelidade terá levado o casal a viver vidas separadas, com Sofia a passar muito tempo junto do irmão, o Rei Constantino da Grécia, em Londres.

Agora, porém, que a abdicação retirou ao Rei a imunidade que o trono lhe conferia, esta conduta pode trazer-lhe alguns dissabores. Há dias, um dos três auto-proclamados filhos ilegítimos de Juan Carlos, Albert Solà, concedeu uma entrevista à revista espanhola Jet-Set onde dizia que, se não lhe for proporcionado um encontro com o monarca no prazo de dois meses, colocará uma acção em tribunal. “Agora que o Rei deixou de estar isento de ser constituído réu por paternidade, uma vez que já não tem responsabilidades políticas, sei que vão aceitar a acção”, dizia Solà na entrevista.

Nascido em 1956 em Barcelona, Albert Solà Jiménez foi de imediato retirado à mãe, levado para Ibiza e entregue mais tarde a uma família humilde na capital da Catalunha. Uma investigação empreendida pelo próprio com o recurso a detectives privados revelou no entanto que a sua mãe biológica pertencia a uma família de ricos banqueiros. Segundo Albert, ela “foi o primeiro amor” do filho dos condes de Barcelona, quando tinha 17 anos. Em 2001, depois de uma batalha legal, um juiz entregou a Albert documentos relativos ao seu nascimento que provam a paternidade de Juan Carlos. Em relação às parecenças físicas, Albert não tem dúvidas: “Não sou eu que acho. Historiadores, jornalistas, pessoas que encontro na rua, todos dizem isso”.

A hipótese ganhou ainda mais força quando testes genéticos revelaram que Albert e Ingrid Sartau têm 91% de probabilidades de serem filhos do mesmo pai. Ingrid ficou intrigada quando a mãe lhe disse, enquanto viam televisão, que Juan Carlos era o seu pai. Uma pesquisa na internet levou-a até Albert.

Acerca do antigo Rei de Espanha, Ingrid e Albert têm no entanto opiniões diferentes. Enquanto ele diz que envia cartas para o “fax privado do Rei, ou do meu pai, como lhe queira chamar”, Ingrid Sartau não pretende ter qualquer contacto. E afirmou, também à revista Jet-Set : “Preferia ter um carniceiro como pai. Seria mais fácil viver com essa ideia”.

A terceira alegada filha do monarca é Paola, nascida perto de Paris em finais de 1959, fruto de uma relação com a italiana Olghina Di Robilant, que Juan Carlos terá conhecido no Estoril. Paola tomou conhecimento de que o Rei seria o seu pai através de uma revista que publicou as cartas de amor para Olghina, uma mulher tão liberal que uma das suas festas de aniversário terminou com o striptease integral de uma bailarina turca. Paola, que hoje é professora da Universidade de Columbia em Nova Iorque, onde vive, não procura publicidade.

Com a vida íntima de Juan Carlos exposta na praça pública, como estarão a reagir os infantes? Terão alguma vez confrontado o patriarca? “Eu próprio coloquei essa questão a um oficial da Casa Real”, recorda Andrew Morton. “A resposta dele foi directa: 'O Rei é o Rei, não se questionam as suas decisões que dizem respeito à sua vida pessoal'“.

Alberto II vezes dois

Juan Carlos não é o único a debater-se com os problemas decorrentes das relações extraconjugais. Os comentadores acreditam que a abdicação do Rei Alberto II da Bélgica, em Julho de 2013, esteve relacionada com o processo de paternidade pendente de Delphine Boël, filha de uma aristocrata que durante 42 anos (desde os 17) teve de esconder a identidade do progenitor. Não podendo revelar ao mundo o seu segredo, a mãe, Sybille Longchamps, optou por levar a criança para Inglaterra, onde Delphine acabaria por receber formação artística, tornando-se uma pintora de méritos reconhecidos.

Outro Alberto, o príncipe do Mónaco, tem dois filhos de relações anteriores ao casamento com a antiga nadadora olímpica sul-africana Charlene Wittstock. Alexandre Coste, de dez anos, é filho de uma designer de moda natural do Togo. A mãe lamenta que o filho ainda não tenha conseguido ver o progenitor desde que Alberto casou com Charlene, em 2011. A outra filha do príncipe do Mónaco, Jazmin Grace Grimaldi, tem hoje 22 anos. Foi o próprio Alberto II quem assumiu a paternidade, pouco depois de Jazmin ter entrado na idade adulta. Numa entrevista a Larry King, da CNN, o príncipe deixou claro que, apesar de não estarem na linha de sucessão ao trono, os seus dois filhos ilegítimos receberão sempre apoio financeiro.

Já Juan Carlos nunca deverá reconhecer nenhum dos três alegados filhos. Pelo menos assim acredita o especialista em assuntos reais Andrew Morton. “O problema é que ao longo dos tempos há sempre alguém que reivindica, com razão ou sem ela, ser filho do Rei. Se eu acreditasse em tudo o que oiço, o príncipe Filipe de Inglaterra [o marido da Rainha Isabel II] teria famílias secretas em… Gales, Norfolk, Melbourne e na Alemanha”.

jose.c.saraiva@sol.pt