Sines gritou pela paz e pulou de alegria

Com um forte pendor de África e do Médio Oriente, o último dos nove dias do Festival Músicas do Mundo (FMM), em Sines, conseguiu exceder as expectativas.

A programação é um dos pilares do sucesso do FMM – além da diversidade e qualidade das propostas saca um ou mais coelhos da cartola. Este ano, além de ter brindado os espectadores sem bilhete com alguns dos melhores espectáculos, alinhou no dia da despedida   – excepção feita aos portugueses Soaked Lamb – um feliz pingue-pongue de sons africanos e médio-orientais.

O tunisino Smadj trouxe o espectáculo Fuck the DJ à Avenida da Praia, no qual mistura o alaúde com música electrónica cantada ora em árabe pelo marroquino Simo, ora em inglês pelo sul-africano Mo Laudi. Nem sempre a soma das partes deu número inteiro, mas quando a fórmula foi bem aplicada o conjunto extraiu momentos interessantes – em especial quando se cantava em árabe, por exemplo, sobre a revolução no Magrebe.

Já num Castelo de Sines apinhado assistiu-se a mais um capítulo de fusão afro-cubana. Desta vez pela voz da maliana Fatoumata Diawara e pelo piano do cubano Roberto Fonseca, além de uma mancheia de músicos de ambos os países. Uma fusão harmoniosa e festiva, que de pronto pôs o público a dançar. Entre canções, Fatoumata explicava o significado das letras: os direitos das crianças, o drama dos emigrantes clandestinos, a liberdade, a paz, ou ainda uma homenagem a Mandela. A secção cubana teve o seu momento, com dois temas instrumentais, até ao regresso da restante banda e da maliana, que também deu show a dançar.

O público despediu-se a cantar, satisfeito, mas estava longe de sair saciado. Mas quem se seguiu elevou ainda mais o ritmo e a intensidade. A grande estrela do Benim Angélique Kidjo, não se valendo de instrumentos típicos africanos, como o ngoni da banda de Fatoumata, tem no grupo (uma mistura europeia, americana e africana) quem explore na perfeição as sonoridades que de imediato associamos à pop africana.

Também – ou principalmente – Kidjo interveio politicamente, ou não fosse embaixadora da boa vontade da Unicef. Sobre os direitos das mulheres, contra a mutilação genital, contra os casamentos forçados, pela luta pela liberdade. Com uma presença em palco ainda mais destacada que Fatoumata, Kidjo inclusive saiu dele e foi cantar para o meio do público. Depois, recuperando uma tradição não oficial do FMM, chamou ao palco público para dançar, a acompanhar o djembé. Um momento de comunhão em palco e de explosão na plateia. Antes de se despedir, ainda brindaria os presentes com uma versão de 'Sôdade'.

O público já tinha dançado e cantado, mas os Balkan Beat Box elevaram ainda mais o nível da ginástica corporal. Após o início com o tradicional fogo-de-artifício, o grupo israelita pôs todos aos pulos com a sua mistura de electrónica com elementos típicos do klezmer. Nas primeiras filas bandeiras da Palestina e cartazes contra a intervenção militar em Gaza compuseram o cenário para que o vocalista Tomer Yosef gritasse 'Stop the violence!' e pedisse a todos para gritarem pela paz na Palestina e em Israel. Mas a intervenção não aconteceu apelas pelas manifestações do público. Os Balkan Beat Box tocaram temas politicamente comprometidos, como 'War again' ou 'Nobody owns no land'.

O facto de ao trio se ter juntado mais um saxofonista, um guitarrista e um baixista emprestou um poderio sónico notável. O que foi retribuído pelo público, que exigiu um segundo encore, na qual houve uma incursão ao México.

Após este clímax, tudo o que se seguisse, já junto à praia, teria dificuldade em impor-se. A tarefa coube aos tanzanianos Jagwa Music, como num ano anterior o fizeram os congoleses Konono n. 1: trouxeram ritmos típicos do seu país conjugados com um teclado Casio. Por fim, para quem ainda dispunha de energia, a última cartada coube aos DJ franceses Acid Arab: como o nome indica, electrónica com inspiração no Norte de África e no Médio Oriente.

Para o ano há mais, com a certeza de que no FMM há sempre lugar para a surpresa e para o encanto.