‘A CPLP tem espaço para crescer’

O embaixador e antigo ministro dos Negócios Estrangeiros Martins da Cruz defende a entrada da Guiné Equatorial na CPLP e vê oportunidades para Portugal. Mas é na UE que se joga o futuro, avisa.

O que ganha a CPLP com a entrada da Guiné Equatorial?

Vai ganhar o terceiro maior produtor de petróleo da África subsaariana, a seguir a Angola e Nigéria; um país que tem o maior PIB per capita de África, cerca de 30 mil dólares; um país em que até ao Tratado de Santo Ildefonso, em 1777, as ilhas de Fernando Pó e Ano Bom eram uma colónia portuguesa. Portanto, a Guiné Equatorial tem uma base histórica para ser membro da CPLP. E vão ganhar os países africanos que fazem parte da CPLP que se estão a organizar num núcleo duro. Houve uma reunião em Luanda dos PALOP porque acharam que com o alargamento da CPLP e a entrada de observadores, querem reforçar o núcleo africano na CPLP, sobretudo para questões económicas e de energia. Além disso, a Guiné Equatorial é membro da Francofonia, o que vem aumentar a capacidade de intervenção da CPLP na esfera internacional.

Um manifesto assinado por 50 personalidades alega falta de transparência no processo de adesão e que não se conhecem os resultados do roteiro. Que comentário lhe merece?

Por decisão tomada em conjunto mas impulsionada por Portugal foi criado um roteiro, uma agenda, para a Guiné Equatorial seguir. Essa agenda tinha múltiplos pontos, mas para a opinião pública interessavam fundamentalmente dois: se a língua portuguesa estava a ser ensinada e a questão da pena de morte. Portugal foi o primeiro país a abolir a pena de morte, para nós é importante, mas não significa que não tenhamos excelentes relações com países que têm pena de morte, como os Estados Unidos ou a China. Recentemente a delegação da Guiné Equatorial no Conselho dos Direitos do Homem das Nações Unidas confirmou que o Governo decretou uma moratória congelando a pena de morte. Ou seja, não a retirou das leis penais mas comprometeu-se a não a aplicar. Quanto ao ensino da língua portuguesa, já este ano o secretário dos Negócios Estrangeiros esteve em Malabo e assinou um acordo. O Instituto Camões já tem presença em Malabo e o ensino de português está a ser veiculado ao nível liceal e universitário. Portanto, não percebo onde é que está a falta de transparência. Tanto mais que o roteiro foi acompanhado pelo secretariado executivo da CPLP. Além disso houve uma decisão unânime dos ministros dos Negócios Estrangeiros na reunião de Maputo, dizendo que o roteiro tinha sido cumprido. O que me leva a duvidar da isenção dos subscritores desse manifesto.

Em que sentido?

Temos visto alguns comentadores oporem-se à entrada da Guiné Equatorial na CPLP com base numa série de argumentos que nunca têm que ver com a política externa portuguesa. Temos o hábito de ter os comentadores omnibus: são como os comboios que param em todas as estações. A política externa não se faz com estados de alma. Tem de ter princípios, mas tem de ser pragmática. Não chego ao ponto de um primeiro-ministro inglês do século XIX que disse que a Inglaterra não tem amigos, tem interesses. Não. Temos de ter amigos, interesses e princípios. Os direitos do homem são um dos princípios de política externa, não são um valor absoluto. Estando a Guiné Equatorial dentro da CPLP o diálogo torna-se mais fácil. Além disso, se não causa nenhuma preocupação à França e aos quase 60 países da Francofonia, porque há-de preocupar a política externa portuguesa?

Que oportunidades traz para Portugal a entrada da Guiné Equatorial na CPLP?

Está-se a reanimar a Confederação Empresarial da CPLP, que esteve parada. A entrada da Guiné Equatorial abre novas perspectivas e num futuro próximo reforçar-se-á a presença de empresas portuguesas na Guiné Equatorial. E, em sentido contrário, porque não dos grandes grupos petrolíferos e dos fundos soberanos da Guiné Equatorial em Portugal?

A CPLP pode continuar a expandir-se?

A CPLP é a última das organizações, baseadas na língua e nos antigos impérios, que foi criada. Existe a Commonwealth, a Francofonia e a Ibero-América. A CPLP nasceu em 1996, logo tem ainda muito espaço para crescer. Há neste momento oito Estados-membros, terá presumivelmente nove a partir de dia 23, com a Guiné Equatorial a ser aceite como membro. E há os observadores. E quem é que pediu para ser observador? Marrocos, Namíbia, Turquia, Japão, Ucrânia, Geórgia, Índia.

À partida, o pedido da Geórgia parece bizarro.

Sim, mas é facto que pediu para ser observador. Penso que a CPLP não vai ficar por aqui, até pelo facto de ser uma organização transversal e presente em quatro continentes, representa um grande atractivo como criação de visibilidade positiva e a expansão a outros objectivos.

Quais objectivos?

Quando a CPLP foi criada havia três objectivos: as consultas político-diplomáticas, a cooperação e a língua portuguesa, que é no fundo a base. Simplesmente, o denominador comum vai-se diluir com os observadores que querem entrar. Não me espanta que em futuras reuniões da CPLP tenha de haver traduções em francês e em inglês, como aliás há nas reuniões da Commonwealth e da Francofonia. Depois foi-se criando uma prática que poderá ser o quarto objectivo da CPLP, a cooperação económica e empresarial. Que eu penso ter importância, sobretudo na área da energia. Dou alguns exemplos. A CPLP tem 250 milhões de habitantes, o que significa 3,6% da população mundial e 3,8% do PIB mundial. Mas se já incluirmos a Guiné Equatorial, a produção de gás e petróleo da CPLP representa 7%. Nos últimos dez anos, 50% das descobertas de petróleo e gás foram feitas na CPLP. Daqui a 20 anos os países da CPLP podem representar 20% do gás e do petróleo, o equivalente à produção no Médio Oriente. E isto tem uma importância não só geopolítica mas também ao se constituir uma malha de interesses em que reforce os seus mecanismos.

Em termos práticos, como é que poderá realizar-se?

Vai ser preciso que a CPLP consiga, através da Confederação Empresarial agora reactivada, através do Secretariado, ir somando outros objectivos aos estatutos iniciais, que são de 1996. Desde então o mundo evoluiu muito. A política externa não é estática. A CPLP tem algumas cartas para dar ao nível da energia e Portugal tem de saber aproveitar. Só dois países na CPLP não produzem hidrocarbonetos, Portugal e Cabo Verde. Temos de aproveitar as capacidades do porto de Sines, mas há centenas de actividades empresariais de estudo, prospecção, inspecção, análise, em que temos excelentes técnicos. Aí Portugal pode ter um papel a jogar.

Da sua experiência, crê que Portugal está dividido entre os eixos atlântico, europeu e lusófono?

Portugal não está dividido e acho que desde 1986 para cá a política externa soube encontrar o justo equilíbrio nestas três prioridades que tem, por esta ordem: a Europa, o espaço atlântico e o espaço da língua portuguesa. Nós não temos alternativas a nenhuma delas, as três complementam-se. É na Europa que Portugal tem de superar a crise e prever a Europa de amanhã. Porque o desenho do perímetro europeu pós-crise começa agora com o novo Parlamento e Comissão. Portugal tem de ter em atenção o seguinte: tem de ter a capacidade para estar nos núcleos duros, senão somos excluídos para a periferia, sobretudo se a Espanha conseguir estar e nós não. Porque então aumenta a nossa dupla periferia, na Península Ibérica e na União Europeia.

É uma ilusão, como alguns defendem, Portugal virar costas à UE e virar-se para o espaço lusófono?

Se Portugal virar costas à UE eu aconselhava os portugueses a começarem a aprender árabe. Porque só nos resta cair nos braços de Marrocos ou da Argélia. Não há alternativa à Europa para Portugal.

cesar.avo@sol.pt