Uma guerra para ler

O primeiro conflito mundial, cujo centenário se recorda este ano, valeu, além de rios de sangue e de intoxicações mortais ou incapacitantes por armas químicas (neste aspecto, também foi o primeiro), rios de tinta. Muitos escritores foram também mobilizados para a frente de combate, fossem soldados nas trincheiras – como Ernst Jünger do lado alemão…

Uma guerra para ler

A Oeste Nada de Novo, de Erich Maria Remarque (1929)

É o primeiro nome que vem à cabeça de qualquer leitor, seja ele leigo ou experimentado, quando se pergunta por uma obra sobre a I Guerra Mundial. A história do jovem Paul Bäumer, de 19 anos, que é convencido por professores e mentores, bem ao espírito belicista da época, a alistar-se, é paradigmática. No início do conflito, os fervores nacionalistas estavam no auge. Mas, como demonstra bem a obra de Remarque – que não se ficaria só com este título para descrever a guerra – bastava uma tarde passada numa trincheira para que os êxtases bélicos desaparecessem. Considerado um hino ao pacifismo, o livro sofreria o destino de outras obras assinadas pelos baluartes da cultura alemã no século XX: a fogueira dos nazis, em 1933. Tanta paz era impossível de aceitar pelo führer e seus esbirros…

In Stahlgewittern (Tempestades de Aço), de Ernst Jünger (1920)
Ferido 14 vezes durante a guerra, Jünger sabe do que fala quando escreve sobre o campo de batalha. O alemão foi dos escritores que mais tempo passou pelas trincheiras e baseou-se numa passagem de uma saga islandesa para dar título à sua descrição da experiência. Tempestades de Aço ficou como obra controversa – ao contrário de Remarque, Jünger narra a guerra sem propriamente a denunciar ou pôr a ênfase na sua desumanidade. Acusações, mais tarde, de que teria um imaginário ‘fascista’ – na verdade, nos anos que se seguiram, rejeitou abertamente o governo nazi – tornam-no um escritor polémico. Seja como for, acabou por ser um sobrevivente – depois de tudo o que passou na vida, morreu em 1998, aos 102 anos de idade.

O Adeus às Armas, de Ernest Hemingway (1929)
O norte-americano foi um globetrotter desde a juventude. A sua escrita foi moldada por esta experiência, durante o tempo em que serviu como condutor de ambulância na frente em Itália. A estupidez da guerra, o cinismo dos soldados no campo de batalha e os suplícios sofridos pelas populações são o enquadramento para um outro, o da história de amor do protagonista, condutor de ambulâncias como o escritor, que se apaixona por uma enfermeira depois de ter sido ferido. Tal como Hemingway e Agnes Von Kurowsky, o primeiro dos seus múltiplos amores. 

Os Sete Pilares da Sabedoria, de T. E. Lawrence (1922)
A frente europeia está repleta de literatura, seja ela autobiográfica ou puramente ficcionada. Mas, no Médio Oriente, estava uma figura com uma vida que dava um livro. Ou vários, e até um filme, com Peter O’Toole como protagonista. T. E. Lawrence, ou Lawrence da Arábia para a posteridade, narra neste livro a revolta dos árabes contra os otomanos entre 1916 e 1918, e a sua experiência enquanto soldado nesse teatro de guerra específico.

Calligrammes (Caligramas), de Guillaume Apollinaire (1918)
O poeta e ficcionista francês Guillaume Apollinaire ficou de tal modo marcado pela guerra que passou a ostentar a proverbial ligadura na cabeça, resultado de um ferimento, como adorno, como se de uma peça de roupa se tratasse. É dele uma das primeiras publicações de uma incursão literária ao conflito, sob a forma de poesia, nestes Caligramas, a que deu o subtítulo ‘poemas da paz e da guerra, 1913-1916’. Apollinaire passou pela frente, mas não chegou a saborear o primeiro armistício, assinado a 11 de Novembro de 1918, dois dias após a sua morte. Sucumbiu ao ferimento na cabeça e à gripe espanhola, que ceifou milhões de vidas nos anos que se seguiram ao conflito.  

ricardo.nabais@sol.pt