Fazer com que o essencial possa superar o acessório

Quando, com serenidade, nos debruçamos sobre o que parece ser realmente essencial para este país, e conseguimos esquecer o que nos divide e que é, em muitas situações, apenas o acessório, temos de reconhecer que há mais unidade do que divisão, mesmo entre políticos que são vistos como opositores.

Ao ouvir Silva Peneda, um político que foi ministro num Governo de Cavaco Silva e é o actual presidente do Conselho Económico e Social (CES), referir a tão falada Reforma do Estado, da regionalização ou das mudanças no modelo estrutural da economia português (leia-se, bens transaccionáveis versus bens não transaccionáveis), descobrimos que entre a situação e a oposição há muito menos diferenças do que mediaticamente somos tentados a pensar.
Silva Peneda não junta, naturalmente, a sua voz aos 70 autores de um manifesto sobre a dívida pública, mas defende uma redução da taxa de juro do empréstimo e um alargamento do prazo de pagamento. Às vezes, só a linguagem utilizada na discussão política é que é verdadeiramente irreconciliável.

Falando no International Club of Portugal, numa palestra a que foi dado o significativo nome de ‘Compromisso Inevitável’, o presidente do CES lembrou que a sempre adiada Reforma do Estado só não avançou na década de 90 porque, na altura, não havia pressão sobre a dívida pública, à revelia das próprias regras de Maastricht, que implicavam uma dívida pública de 60% do PIB e um défice de 3%, pouco respeitado.
Hoje, as regras da moeda única são muito mais rígidas e, mais do que nunca, é preciso encontrar o que é mesmo essencial para o país e como tal deve ser visto máximo denominador comum, ultrapassando o que parece acessório e ganha uma exagerada dimensão quando apresentado como vector das diferenças.
Silva Peneda falou, por exemplo, na cultura de compromisso, interno e ao nível da União Europeia, tendo em vista um equilíbrio entre as várias partes, solução que é muito mais pragmática do que a dos consensos que nunca se alcançam, às vezes também e só por pequenas nuances de linguagem.

As questões demográficas da Europa, particularmente sentidas em Portugal, que é um dos países mais envelhecidos do mundo, também podem contribuir para que a agenda do crescimento, indispensável a qualquer país que queira sair crise, tarde mais do que seria de desejar e comprometa por mais tempo o nosso próprio futuro.
As opções políticas são sempre determinadas por questões tão essenciais como as que se relacionam com a habitação, com as condições de trabalho e as respectivas remunerações, com a saúde, com a previdência na invalidez e na doença, com o ensino, entre outras, algumas mais especializadas e complexas como sejam a chamada actividade cultural ou a investigação científica.
É por aqui que passa o essencial ou que o essencial se diferencia de acessório. É no essencial que devemos tentar encontrar os compromissos inevitáveis, às vezes bem mais fáceis de alcançar se soubermos tornear as linguagens que ampliam diferenças inexistentes ou, pelo menos, indesejáveis.
*Presidente da APEMIP, assina esta coluna semanalmente